Travado no MME e na Aneel, P&D do novo modelo está na UTI
Maurício Corrêa, de Brasília —
A não ser que ocorra um milagre de última hora, em que poucos acreditam, tudo indica que está naufragando espetacularmente o projeto acalentado pelas associações empresariais e dezenas de grandes empresas, visando a alterar o modelo do setor elétrico brasileiro através de um Projeto de P&D Estratégico sob a liderança do Instituto Abradee.
Nesta terça-feira, este site perguntou a um dos executivos mais envolvidos com o projeto por que razão isso está acontecendo. “A sua pergunta vale 1 milhão de dólares”, ele respondeu em tom de brincadeira.
Entretanto, na hora de falar sério, revelou que o projeto está sendo torpedeado por todos os lados, inclusive dentro do próprio Ministério de Minas e Energia, que só quer fazer pequenas mudanças pontuais no modelo e não está interessado numa visão de longo prazo.
Surpreendentemente foram identificados adversários até dentro da Aneel, onde o próprio relator do P&D, diretor José Jurhosa,” sentou em cima da proposta e travou tudo. Com tantos inimigos, não há como avançar”, explicou ao “Paranoá Energia”, frisando que, além de Jurhosa, os diretores Reive Barros e André Pepitone também trabalham contra a proposta.
No intervalo da reunião semanal da diretoria colegiada da Aneel, o diretor-geral Romeu Rufino afirmou vagamente, nesta terça, que o P&D “está em avaliação. A proposta tem uma governança desafiadora, complexa” e por isso é necessário mais tempo para ser melhor examinada pela agência reguladora.
No entendimento do diretor-geral da Aneel, o problema básico consiste na governança do P&D Estratégico, principalmente porque diz respeito, na prática, à construção de um novo modelo, o que seria então uma atribuição do Poder Executivo.
Segundo Romeu Rufino, um projeto de P&D como esse tem muito recurso público envolvido e a agência reguladora, a quem cabe liberar o dinheiro, precisa ser cautelosa nas suas decisões. “Estamos discutindo para ver que caminho tomar”, afirmou, salientando que o MME está envolvido nessa discussão, que não tem prazo para terminar. “Já estamos fazendo essa reflexão há algum tempo”, afirmou.
A governança, de fato, tem sido um problema básico do P&D desde que foi anunciado o consórcio vencedor, em outubro do ano passado. “Tinha tudo para dar errado e aparentemente está dando errado, embora todos nós, da área empresarial, estivéssemos torcendo para dar certo”, afirmou outro executivo, sob condição de anonimato.
Ele lembrou que o consórcio vencedor foi integrado pelas empresas Bain, Thymos e FGV Energia, mas o consultor Mário Veiga foi imposto pelo MME como coordenador do projeto, embora fizesse parte do consórcio perdedor, constituído pela sua empresa, PSR, pelo Gesel (núcleo de estudos de energia da UFRJ) e pela consultora Roland Berger. “Já começamos mal”, reconheceu a mesma fonte.
No setor elétrico, a indicação de Veiga tinha também uma conotação política, pois, como um dos idealizadores da MP 579, na gestão da presidente Dilma, ele estranhamente estava sendo chamado pelo MME para coordenar um trabalho que, entre outros objetivos, tinha o de corrigir as lambanças resultantes dessa polêmica MP, que é considerada como uma espécie de mãe de todos os graves problemas atuais do setor elétrico brasileiro.
Uma fonte ouvida por este site disse que o propósito do P&D era o mais nobre possível, ou seja, passar um pente fino no atual modelo, que foi herdado da presidente Dilma, e que está para lá de remendado.
Em novembro, o próprio presidente da Abradee, Nelson Leite, chegou a dizer a este site que estava otimista e que acreditava que, em janeiro passado, o projeto deslancharia com a assinatura dos contratos dos consultores. Não aconteceu até agora. Ele não contava com o fogo amigo, principalmente dentro do MME, onde o secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético, Eduardo Azevedo Rodrigues, transformou-se em inimigo da proposta, conforme este site apurou junto a especialistas que militam no mercado.
“Os iluminados do setor elétrico precisam entender que o Projeto de P&D Estratégico capitaneado pelo Instituto Abradee não é uma ferramenta de planejamento setorial. Admito que a governança poderia ser ficado melhor desenhada, mas é um detalhe que poderia ser superado com alguma facilidade. O que mais desanima é que as autoridades se apegaram a isso, pois não estão realmente preocupadas com o longo prazo. Só querem resolver probleminhas do dia a dia, pois sabem que 2018 será ano de eleição e será necessário deixar os cargos atuais para concorrer. Essa é a verdade”, lamentou a fonte, sem precisar dar os nomes aos bois.
Essa interferência do processo eleitoral já era esperada pela Abradee. Uma fonte qualificada vinculada a uma concessionária de distribuição também confidenciou a este site que o grande perigo que o Projeto de P&D corria era justamente entrar na vala comum do mundo da política partidária, tendo em vista a eleição de 2018. Por isso, como lembrou, era fundamental que, agora em maio, já fossem implementadas as primeiras decisões, para não misturar a aplicação do P&D com a campanha presidencial do próximo ano.
“Dentro de poucos meses, ainda neste ano, já estaremos na campanha de 2018. Com o atraso, aconteceu com o P&D exatamente o que temíamos”, argumentou essa fonte, assinalando que “ninguém do atual Governo vai preparar a cama para que o futuro Governo simplesmente venha e deite. Além do mais tem a questão da incógnita política, pois pode dar Lula novamente na cabeça, em 2018, e aí, como ficaria, nessa hipótese, um Projeto de P&D que teoricamente vem para desconstruir o modelo da presidente Dilma?”.
O fato concreto é que, na área empresarial, há um enorme desalento a respeito do assunto, embora ninguém fale sobre isto publicamente. “Será que esses senhores da Aneel e do MME não têm consciência do vexame em que estamos mergulhados? Todas essas empresas internacionais que se envolveram no projeto (Bain, Roland Berger, Mc Kinsey, Accenture e Ernest & Young) participaram da licitação atendendo a um chamado aberto pela Aneel. Elas gastaram dinheiro, envolveram as suas equipes. E agora ninguém faz nada? Foi só uma brincadeira?”, indagou um executivo, bastante indignado.
Um diretor de associação empresarial que também pediu para não se identificar resolveu radicalizar e entende que o MME deveria abortar o projeto. “Só topamos o envolvimento com o P&D porque entendíamos que havia um compromisso de levar a proposta à frente. Não me parece mais que exista esse compromisso. Para mim, já perdeu o sentido e o próximo passado será pedir às empresas que integram a associação para retirar o patrocínio. Gostaria de estar totalmente equivocado, mas, infelizmente, não consigo mais acreditar que o projeto possa ser um sucesso, conforme era o nosso desejo inicial”, disse o dirigente.