“Não dá para bancar ser o machão”
Ficar refém novamente nas mãos dos caminhoneiros foi uma preocupação real do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco. Para ele, a decisão de suspender o reajuste do diesel não compromete a credibilidade da companhia. “Acho que a preocupação do presidente (com a greve) foi legítima.” A seguir, os principais trechos da entrevista.
- Como foi o pedido do presidente Bolsonaro à Petrobras para segurar o reajuste do diesel?
Estava no aeroporto de Galeão quando o presidente me ligou. Ele foi informado sobre o aumento do diesel e me alertou sobre uma possível greve dos caminhoneiros. Disse a ele que iria estudar o assunto e discutir com a diretoria (da Petrobras) para cancelar o aumento. Em seguida, liguei para a diretora de refino. Chegamos à conclusão que, diante do risco de uma greve, era melhor sustar o aumento e depois avaliar o que poderia ser feito
- A Petrobras então acatou o pedido do presidente…
Nos reunimos com vários ministros na Casa Civil na segunda-feira (dia 15). Foram discutidas várias ideias. Inclusive, uma sugestão minha, sobre a indexação do contrato de frete ao preço do diesel. Na terça-feira, pela manhã, várias medidas foram anunciadas. No mesmo dia, à tarde, tive reunião com o presidente Bolsonaro e os ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Paulo Guedes (Economia) e almirante Bento Albuquerque (Minas e Energia) para explicar ao presidente como é a situação do diesel no Brasil.
- Entendeu o pedido como uma interferência do governo?
Acho que a preocupação dele foi legítima. Fiquei preocupado com o risco de greve permanecer. A Petrobras não pode subsidiar o preço do diesel, seria um problema para o Brasil e não resolveria o problema dos caminhoneiros. Sugeri que o reajuste seja feito só na alta. Temos outras ideias, que implicam gastos do governo (compra de frota antiga, bolsa caminhoneiro e requalificação).
- A decisão de suspender o aumento arranhou a imagem da empresa para o investidor?
Acho que não. Se a Petrobras tivesse mudado sua política, congelado os preços… Não perdemos um tostão porque efetuamos operação de hedge.
- Mas o mercado se assustou…
Sim e a queda das ações da Petrobras repercutiu isso. Temos um passado muito ruim. A Dilma (Rousseff, ex-presidente) fez isso, (o mercado entendeu que) o Bolsonaro iria fazer… Mas isso não aconteceu. Não estou aqui para defender… Não sou político, mas acho que foi injusto (com o presidente). A atuação dele foi no sentido de que havia um risco de greve. A comunicação, enfatizo, é muito importante. Toda a discussão foi por R$ 0,10.
- Temos de lembrar que as manifestações de 2013 começaram por causa de R$ 0,20…
Sem dúvida. Mas não era por causa de R$ 0,20. Era algo mais fundamental. Os nossos serviços públicos continuam sendo muito ruins…
- Como é sua interlocução com Bolsonaro e Paulo Guedes?
Com o presidente, tive só esta reunião em que esclarecemos os pontos para ele. Com Guedes e o ministro almirante Bento, tenho um diálogo muito bom, construtivo. Eles nunca fizeram menção de intervir na companhia. Tive liberdade para escolher todos diretores e gerentes que quis, sem intervenção.
- O presidente tem uma visão menos liberal que a do sr. e da equipe econômica.
O presidente é um político. Sou economista, assim como Guedes. Temos ideias convergentes. Concordamos em muita coisa, não 100% necessariamente.
- Os caminhoneiros ganharam um poder grande de barganha no ano passado. Não teve medo de a Petrobras ficar refém deles?
Tenho preocupação. Não quero que os eventos do ano passado se repitam. Foram ruins para a Petrobras. O presidente da Petrobras saiu e a companhia ficou paralisada. Por isso, tenho sido ativo em fazer sugestões ao governo. Eu poderia ter dito que a Petrobras é independente, o aumento está dado e vamos embora. Mas essa atitude não é construtiva. Não é porque a gente retarda o aumento por poucos dias que vai diminuir a credibilidade da companhia. Minha obrigação é defender a estatal Não dá para bancar ser o machão. A gente tem de pensar e analisar os riscos.
- No ano passado custou a renúncia do Pedro Parente… Chegou a pensar em sair?
Não. Pensei em contornar a crise, sem violar qualquer crença minha. Estou aqui para cumprir uma missão. Se eu sentir que vou fracassar, não tenho mais nada a fazer, não vou comprometer a minha credibilidade. Mas demissão é um ato que se executa, e não se ameaça. Não é inteligente fazer isso.
- A Petrobras é o símbolo da Lava Jato. Ainda há esqueleto no armário?
Creio que não. Se achasse, iria atrás. A Petrobras sofreu muita depuração, a governança se fortaleceu. Mas não dá para garantir que não há mais nada.