Mediocridade política e repelente
Edvaldo Santana (*)
Você dividiria os cuidados e futuro de seus filhos com Ângela Merkel, Primeira Ministra da Alemanha? Entregaria suas economias para serem administradas a partir de diretrizes firmadas por Margareth Thatcher, antiga Primeira Ministra da Inglaterra? Perdido numa estrada, você seguiria o caminho indicado por Dra. Zilda Arns, médica brasileira que dedicou toda sua vida ao bem-comum?
Claro que não seria uma unanimidade, mas as respostas seriam na maioria sim. As pessoas acima têm como um dos seus requisitos a credibilidade. Agora pensem nas mesmas perguntas, mas substituam os personagens por Cristina Kirchner e Nicolás Maduro. Também não será uma unanimidade, pois há louco para tudo, mas as respostas seriam quase sempre não. Infelizmente, a mesma natureza de respostas teria a imensa maioria de políticos brasileiros. Conta-se nos dedos de uma mão o número de políticos que receberiam sim como resposta. Pouquíssimos entrariam em um táxi, em São Paulo, se o mesmo tivesse como condutor um membro de quaisquer das instâncias do Executivo e do Legislativo brasileiros, federal, estadual ou municipal. Certamente escolheriam o trajeto em que eles ganhariam mais, e não o passageiro.
Todas as fichas foram apostadas em Joaquim Levy, antigo Ministro da Fazenda, mas ele logo foi visto como um “cabeça de planilha”, como um conservador. Na prática, as autoridades econômicas não conseguem fazer o básico, ao menos aprender com seus próprios erros, preferindo repeti-los.
Se um país, em 2015, tinha uma dívida correspondente a 70% do valor total de tudo que produz, e sabe que em 2016 vai produzir menos ainda (menor receita), o racional seria gastar bem menos e, preferencialmente, muito menos do que o crescimento do saldo da dívida. Ao não conseguir gerar superávit em montante suficiente para, no mínimo, pagar parte dos encargos, o saldo da dívida crescerá a taxas crescentes, até porque os juros aumentam com a dificuldade de financiá-la. Apesar disso, o governo, em 2015, enviou ao Congresso um orçamento com déficit, o que nos custou a perda do grau de investimento, e, agora, em 2016, não sabe ainda onde reduzir suas despesas.
Outro rebaixamento foi o resultado, aprofundando o caos. Estamos em um ciclo doentio e perverso, para o qual terapias foram desenvolvidas a partir de 1994. A perseverança na busca de superávit fiscal era a tática e a estratégia era a lei de responsabilidade fiscal, um antídoto até então eficaz. Se o crescimento da economia é uma batalha que deve ser vencida dia após dia, a “nova matriz macroeconômica” desprezou, de uma só vez, a tática e a estratégia, pois os fins justificavam os meios, o que desqualificou os fundamentos da Os instrumentos de política econômica utilizados deixaram os cenários mais obscuros, dada a ambiguidade da situação. Tal política vem sendo conduzida a partir de visões antagônicas dentro do próprio Ministério da Fazenda: em uma, supostamente conservadora, para atender ao “mercado”, o foco é o superávit das contas públicas; em outra, com terríveis resultados recentes, insiste-se na “nova matriz” (o uso do cachimbo deixa a boca torta). Aos olhos dos investidores, a ambiguidade representada pela dubiedade em uma só autoridade denota a perspectiva que (não) se tem dos destinos da economia brasileira, em que, mantido o atual estado das coisas, só se sabe que vai acontecer o pior, mas não o quão pior. É como se o investidor não tivesse uma noção razoável dos riscos, o que os leva à exigência de maior spread ou a não empreenderem.
Do ponto de vista da Teoria dos Jogos, há cerca de três meses o impeachment era visto por muitos uma estratégia dominante, isto é, o melhor caminho entre todos os disponíveis. A mudança de governo sinalizaria, quem sabe, um impulso positivo na confiança, o que, por exemplo, facilitaria a retomada dos investimentos e o desemprego não seria tão agravado. Seria uma estratégia razoável para todos, inclusive para o grupo político incumbente, que em 2018 poderia reaparecer com sua foice e seu martelo. Mas tal estratégia, além de não ser trivial quanto à execução, exige uma certa combinação com “zagueiros russos” muito importantes. Em episódio recente, o STF já sinalizou, com textos rebuscados e citações em latim, que o impeachment não é aplicável. Isso não é de todo ruim, pois os danos causados pelas crises de 2014 e 2015 talvez não sejam ainda suficientes para o aprendizado.
Contudo, as barreiras à estratégia dominante não devem ser motivos para o marasmo, para a falta de iniciativas e para o conformismo. Se nada for feito, teremos uma geração que não será marcada apenas pela microcefalia, mas pela desesperança, um transtorno com efeitos devastadores para toda a sociedade. A opção, então, seria o uso de uma estratégia do tipo “mínimax”, em que dos piores resultados se buscaria os menos danosos. É como se, em um incêndio com danos inevitáveis, tivéssemos que escolher o que salvar. Parece-me correto, então, o procedimento recente da oposição, de tentar salvar o que for possível em termos de política macroeconômica.
Em cenários como os atuais, os caminhos mais razoáveis seriam indicados por lideranças fortes, por uma ou outra pessoa com credibilidade a toda prova, o que nos falta. Já não temos Zilda Arns, Celso Furtado, Ruth Cardoso, Sobral Pinto, Raymundo Faoro, Barbosa Lima Sobrinho ou Betinho. Há um bom tempo nossas escolhas têm sido entre os menos piores. Isso explica a mediocridade política e econômica, em especial quanto ao produto disso decorrente. Por exemplo, apesar dos recursos e tecnologias disponíveis, não temos competência para acabar com o Aedes Aegypti, que agora nos brinda com a zika e a febre chikungunya. Estamos prestes a ter uma geração marcada pela microcefalia, e a terapia mais eficaz, vejam só, é o uso de repelente e de mutirões caça-mosquito.
Mas nem tudo está perdido. Mesmo entre os menos piores, quem sabe o terremoto recente nos estimule a selecionar alguém com um certo (e raríssimo) altruísmo político, em que o caminho escolhido pelo condutor não seja o melhor para ele, mas para os passageiros.
(*) Edvaldo Santana é Professor Titular da UFSC (aposentado) e Ex-Diretor da ANEEL