Lobbies não escapam das frentes parlamentares
Maurício Corrêa, de Brasília —
Qualquer um que acompanhe o lobby empresarial no Congresso Nacional, mesmo que de forma superficial, percebe com clareza que está faltando um pouco de criatividade às grandes empresas e associações empresariais. Isso vale inclusive para a área de energia, cujo lobby está usando e abusando das chamadas “frentes parlamentares”, um recurso que está totalmente banalizado. Ninguém aguenta mais ver uma frente parlamentar sendo criada a cada dia.
Tais frentes são grupos informais e suprapartidários, que se reúnem para trabalhar em favor de determinados temas. Elas não têm poder segundo o regimento interno da Câmara dos Deputados. Mas, dependendo do grau de organização, podem ser mobilizadas para defender ou atacar.
As frentes se formam a partir da união de congressistas que têm interesse comum quanto a algum tipo de assunto. Quando termina a legislatura, a conta é zerada e o trabalho da frente parlamentar recomeça na próxima legislatura, até porque há uma natural renovação de parlamentares eleitos.
É fácil compreender porque um parlamentar novato tem tanto interesse em atuar numa frente desse tipo. É muito difícil destacar-se no mundo de Brasília, onde o trabalho da mídia se concentra em poucos senadores e deputados federais. E aparecer é fundamental no trabalho parlamentar, pois o deputado de hoje sempre está de olho quanto às eleições futuras. Ele também quer ser o deputado de amanhã (ou um senador, ou governador, ou prefeito, não importa muito).
O Congresso é bicameral, constituído por 81 senadores (que representam as 27 unidades federativas, os 26 estados e o Distrito Federal) e 513 deputados federais (que constitucionalmente representam o povo). Nesse contexto, é natural que a mídia, que tem as suas limitações em termos de pessoal, orçamento e cobertura, procure se concentrar em parlamentares que tenham e saibam o que dizer.
Ou seja, aqueles que já têm mais experiência nas duas Casas do Congresso. Não sobra praticamente qualquer tipo de espaço na mídia para os novos parlamentares, a não ser que sejam muito bons na atuação congressual, como tem sido, por exemplo, a deputada federal Joice Hasselmann.
Sem entrar no mérito ideológico da sua rotina diária, é praticamente unânime a opinião que, sendo uma deputada de primeiro mandato, Hasselmann, uma deputada do Paraná, é considerada um verdadeiro motor para o trabalho parlamentar. Em pouco tempo, ela já conquistou o seu espaço na mídia.
Contudo, um deputado do chamado “Baixo Clero”, ou seja, daquele tipo inexpressivo, para o qual nenhum jornalista dá atenção, tenta, então, se projetar através de uma frente parlamentar, utilizando eventuais conexões empresariais que permitam a criação da frente. É um modo também válido de ganhar algum espaço e deixar de ser considerado apenas como “mais um” ou o “famoso quem”, conforme a gíria utilizada pelos jornalistas.
As frentes, de vez em quando, resolvem esse problema relativo à necessidade de aparecer e ocupar espaços. Por exemplo: a deputada Tereza Cristina, que fazia um bom trabalho na Frente Parlamentar de Defesa da Agropecuária, virou a atual ministra da Agricultura, onde continua a ganhar elogios.
Existem frentes parlamentes para todos os gostos. Para a defesa dos animais, defesa das santas casas, defesa dos povos indígenas, defesa da segurança, da agricultura familiar, do meio ambiente, do combate à corrupção, do semi-árido nordestino e até dos empresários lotéricos. Existe inclusive uma frente parlamentar que condena o aborto em casos de microcefalia. E uma que defende a reciclagem de materiais.
Na atual legislatura, ganhou força a defesa dos evangélicos, dos ruralistas e das forças policiais, refletindo a escolha de congressistas com esses perfis nas últimas eleições.
Quando se olha para o setor energético, observa-se com facilidade que há um certo engarrafamento de frentes parlamentares. Existe uma para defender as energias renováveis, a eficiência energética e a portabilidade da conta de luz. Uma outra diz defender a redução do preço da energia elétrica no Brasil (essa dá um bom Ibope, pois vários deputados foram eleitos em todo o País batendo injustamente nas concessionárias de distribuição e nos valores mensais das contas de luz).
Também existe a Frente Parlamentar Mista do Biodiesel e até uma que defende o carvão mineral, embora, hoje, não seja politicamente correto defender o uso do carvão mineral devido aos impactos ao meio ambiente. Mas existem deputados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul que foram eleitos pelas regiões produtoras de carvão e eles precisam corresponder aos anseios dos seus eleitores.
No dia 22 de maio, foi criada a Frente Parlamentar para o Desenvolvimento Sustentável do Petróleo e Energias Renováveis, organizado pelo Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) e, nesta quinta-feira, dia 30 de maio, está prevista a posse da nova diretoria da Frente Parlamentar do Setor Sucroenergético, uma iniciativa que tem, nos bastidores, uma forte atuação da União da Indústria da Cana de Açúcar (Única).
Também já foram distribuídos os convites para que os interessados possam participar, no dia 11 de junho, da cerimônia de criação da Frente Parlamentar em Defesa das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH´s), segundo uma iniciativa coordenada pela associação empresarial que defende o segmento, a AbraPCH.
Patriotismos à parte, o fato inegável é que a frente parlamentar é o espaço onde o lobby empresarial se cruza com os partidos políticos e onde todos falam a mesma língua.
Do ponto de vista das empresas e das associações empresariais também é fácil entender a razão pela qual se busca a constituição de uma frente.
Trabalhar dentro do Congresso não é fácil. A agenda parlamentar é diariamente caótica e quando se presta atenção em um deputado qualquer, na sua rotina de trabalho, é possível entender porque o trabalho legislativo é tão complicado, lento e ineficiente. Através das frentes, as áreas empresariais fazem um esforço para organizar e sistematizar a confusão, de modo que os seus interesses sejam defendidos com um pouco mais de racionalidade e objetividade.
Mas tem o outro lado da história. Em muitos casos, os lobbies não conseguem sucesso no trabalho junto ao Poder Executivo, que é mais difícil para ser convencido. Então, as empresas e associações correm para a Câmara dos Deputados, onde os congressistas são mais flexíveis e suscetíveis a uma boa estratégia de convencimento. Através dos deputados amigos, que integram as frentes, os lobbies tentam então barrar as investidas do Poder Executivo que eventualmente possam contrariar os seus interesses. É um jogo válido.
Hoje, na área de energia, isso acontece principalmente em relação a três questões: o novo modelo comercial do gás natural, a ampliação do mercado livre de energia elétrica e a modernização do próprio setor elétrico (o que engloba a privatização do Sistema Eletrobras). Tudo isso está travado dentro do Congresso.
Até mesmo um caso técnico muito específico, como resolver a questão do risco hidrológico das geradoras de energia elétrica, não consegue avançar dentro da Câmara dos Deputados, pois os lobbies atuam fortemente junto aos seus deputados para que a questão não seja resolvida.
Esse risco hidrológico, mais conhecido pela sigla em inglês (GSF), é um problema insolúvel há cerca de cinco anos, travando todo o mercado de curto de prazo de energia elétrica. Em outras palavras: quem tem que pagar não paga e quem tem que receber não recebe. Para as empresas, que têm seus balanços e contas a prestar aos acionistas, é um verdadeiro desastre, mas paciência.
O trabalho através das frentes parlamentares é absolutamente legítimo, mas talvez tenha chegado a hora de os lobbies tentarem se livrar da banalização desse instrumento congressual, buscando outras formas mais criativas para convencer os deputados em relação às teses favoráveis aos respectivos segmentos empresariais. Inclusive no setor energético.