Um dia a energia será livre
Como seria a energia com preços livres?
No Chile, logo nos primeiros dias após o golpe militar que derrubou o presidente Salvador Allende, em 1973, um grupo de empresários procurou as autoridades econômicas, pois até então não tinham sido divulgadas as tabelas de preços.
Aqueles empresários que tinham conseguido resistir à desorganização da economia durante o período da Unidade Popular quase piraram quando ouviram a resposta do Governo: “Não tem mais controle de preços. Agora vocês estão livres para comprar e vender pelo preço que acharem melhor”.
A piração empresarial tinha uma razão: muitos empresários não sabiam trabalhar sem a tutela do Estado. Simplesmente, não sabiam comprar e nem sabiam vender. Era muito mais simples ficar em seus escritórios esperando as tabelas liberadas pelo Governo e seguir em frente.
No Brasil, aconteceria o mesmo, na área de energia elétrica, caso surgisse alguém sensato no Governo e decidisse que não haveria mais controle de preços e tarifas. Que cada agente habilitado a bidar estaria livre para comprar e vender da forma como fosse mais conveniente. A área empresarial já trabalha há tanto tempo sob liberdade vigiada, que não sabe direito o que fazer se todas as limitações hoje existentes de repente deixassem de existir. O uso deixa o cachimbo torto.
Extrapolando um pouco a imaginação, é possível pensar quanta gente ficaria sem ter o que fazer na Aneel, na CCEE, na Eletrobras (Cepel), no ONS e em centenas de agentes de geração, comercialização e distribuição, sem contar as organizações empresariais? O sistema como um todo, hoje, vive em função de avaliar os impactos das decisões institucionais que impedem a liberdade de preços.
As distribuidoras, por exemplo, há anos não fazem outra coisa a não ser repassar custos para os consumidores. Não estão preocupadas com eficiência, pois a Aneel depois as compensará no momento adequado da revisão contratual. Pesquisas divulgadas pela própria associação dos distribuidores, a Abradee, já mostraram que há distribuidoras que sabem comprar energia e há empresas que não sabem o que estão fazendo na hora de fechar seus contratos de compra. Depois, pedem compensações à Aneel pelos próprios erros de gestão. Coitado do consumidor cativo.
Essa ineficiência transborda para outros agentes. É provável que em um Brasil sem controles de preços na área de energia, se sairiam melhor as empresas que atuam em outros países nos quais esses controles já não existem há muitos anos. Estão acostumados com a liberdade de comprar e vender.
Um exemplo muito simples é a gangorra do nosso mui amado e admirado PLD, que é uma fantasia que ampara todo o sistema. Hoje, o PLD no Sudeste é de R$ 42,35 o MW/hora, contra um preço médio de R$ 135,17 durante o mês de maio. No dia 04 de junho, a própria CCEE distribuiu um comunicado informando que, a estimativa do PLD para junho, no Sudeste, seria de R$ 83,00 por MW/hora. O mercado trabalha com uma previsão para a semana de 15 a 21 de junho da ordem de R$ 105,00.
Não resta qualquer dúvida que sobram erros de calibração na definição do PLD. Aliás, isso virou uma verdadeira farra do boi. A fábrica de PLD que tem como acionistas o ONS e a CCEE define o quer e estamos conversados. Há toda uma ginástica teórica para tentar justificar as decisões em torno do PLD, mas o fato inquestionável é que essa macumba já deu o que tinha que dar.
Ninguém acredita mais nisso, a não ser os próprios bruxos que engendram os cálculos, pois, afinal, precisam defender os seus altos salários. E virou um círculo vicioso, pois os caras que inventaram o PLD fizeram com que os códigos dos programas fiquem fechados à sociedade. Só eles, os sabichões, têm acesso ao chamado código-fonte.
Esse PLD é uma brincadeira de mau gosto e tem gente que ainda leva a sério os gênios que criaram esse negócio. Eles sempre têm um argumento na ponta da língua para justificar qualquer decisão. É a típica bruxaria moderna. Operar essa bruxaria com código-fonte fechado é muito fácil, não é mesmo? Este editor gostaria de ver, sim, os sabichões operando essa maluquice com o código-fonte aberto à sociedade.
O que este site pergunta diariamente é se não existe alguém que estude esse troço e conclua que o PLD é uma ilusão. E, embora o Brasil viva um regime democrático, decida como os generais chilenos, que tiveram a coragem de acabar com o controle de preços.
Aliás, vale lembrar que, em outros segmentos, o Brasil conseguiu derrubar o controle de preços. Os mais jovens talvez não saibam, mas já existiram órgãos no Brasil que tutelavam a sociedade, como a Superintendência Nacional do Abastecimento, a Sunab, e o Conselho Interministerial de Preços, o CIP, ambos de zero saudade, cujos carimbos valiam mais do que qualquer outra coisa. Eles produziam lista gigantescas de produtos, todas as semanas, e definiam os preços de tudo no Brasil, fixando as margens dos agentes.
Nem o regime soviético produziria algo melhor do que isso em termos de intervenção governamental na sociedade. Um dia, alguém parou para pensar e resolver colocar um ponto final na Sunab e no CIP. Foi o fim do mundo? O Brasil foi para o brejo? Não, ao contrário, o Brasil evoluiu.
É possível que este editor não esteja mais entre os vivos quando isso acontecer, mas com certeza um dia vai aparecer uma autoridade sensata que vai acabar com toda a parafernália existente nas áreas institucionais do setor elétrico e que impedem a mais simples das transações: comprar energia por tanto e vender por tanto, com o vendedor e o comprador fazendo as suas contas e tomando as melhores decisões para cada um, sem a necessidade da tutela do Governo.
Da mesma forma que a Sunab e o CIP, os programas computacionais que hoje dão as cartas no setor elétrico, como Decomp, Newave e outros, serão apenas um capítulo de triste memória de um momento sem imaginação da história brasileira.