GD cresce e gera disputa com distribuidores
O forte crescimento no número de instalações de geração distribuída de energia no País gerou um embate entre distribuidoras e investidores desses sistemas. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) registrou um expressivo aumento no número de reclamações de instaladores relacionadas a dificuldades no relacionamento com distribuidoras. E o regulador promete apertar o cerco.
Segundo dados da autarquia, somente de janeiro a agosto deste ano, foram registrados 3.727 reclamações sobre dificuldades no processo de conexão de microgeração, ante 2.044 reivindicações contabilizadas ao longo dos 12 meses de 2018. As reclamações abrangem questões como perda de prazos, dificuldade de obter parecer de acesso, exigências das distribuidoras consideradas descabidas.
Um levantamento da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) identificou que 70% das reclamações dos instaladores de sistemas de geração distribuída solar estão relacionadas ao descumprimento dos prazos estabelecidos pela Aneel, não só para em processos como emissão do parecer de acesso, tempo para vistoria dos sistemas e substituição do medidor.
O estudo foi feito com base em uma amostra de 416 reclamações apresentadas no canal de ouvidoria da entidade e ,obrigatoriamente, também protocoladas na Aneel. Pelo levantamento, 31,7% das denúncias estão relacionadas a atrasos na emissão do parecer de acesso, enquanto 18,5% das queixas se referem à demora na substituição do medidores e 17,5% envolvem o tempo de vistoria dos sistemas.
“Só para ter o parecer de acesso leva-se em média 2 a 3 meses, existem casos em que chega a quatro meses, quando o prazo seria de 15 a 30 dias para emitir”, comentou Bárbara Rubim, vice-presidente de Geração Distribuída da Absolar. De acordo com ela, a situação se torna crítica para os instaladores de sistemas, que muitas vezes, para evitar a perda do cliente, arriscam-se a começa a construir a usina mesmo sem ter documento do parecer de acesso. “Eventualmente, se depois vier com condições diferentes da esperada, o custo adicional a ser arcado pelas partes”, disse.
Com base nos dados da Ouvidoria, a Absolar elaborou um relatório com as denúncias recebidas, que foi encaminhado à Aneel. “Com este documento queremos conscientizar a sociedade e motivar a Aneel e suas agências regulatórias estaduais conveniadas a fiscalizar e tomar providências para solucionar estes graves problemas”, afirmou Rubim, considerando que a atuação da agência até agora deixou a desejar.
O diretor da Aneel, Rodrigo Limp, afirmou que as reclamações que vem sendo apresentadas estão “no radar da agência”. Segundo ele, a autarquia tem atuado por meio de processos de fiscalização e também no tratamento das reclamações. “É um ponto importante que temos que avançar”, disse, em evento sobre geração distribuída realizado semana passada, referindo-se à intenção de avançar na norma relacionada a esta questão específica, o que deve ser feito após uma revisão mais abrangente da norma que rege atualmente a geração distribuída.
O diretor da Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Marco Delgado, argumentou que o crescimento das reclamações está em linha com a expansão do segmento de geração distribuída. De acordo com dados da Aneel, de janeiro até agora, foram conectados à rede 51.882 sistemas, acima dos 35 342 de todo ano passado. “Como o segmento de geração distribuída está crescendo muito, quando se converte porcentualmente essas reclamações, o número é baixo”, disse.
O dirigente admitiu a existência de problemas, que classificou como pontuais. Segundo ele, parte significativa das queixas está relacionada à aceleração do ritmo de crescimento do segmento, que exigiu das distribuidoras o desenvolvimento de sistemas e a capacitação de equipes para atender a demanda. “São problemas transitórios, está sob controle. À medida que as soluções e sistemas de automatização vão sendo implementados, reduzem-se os gargalos”, comentou. Ele destacou, no entanto, que alguns problemas relacionados à demora nos processos também estão do lado do demandante, especialmente por conta de falhas na apresentação da requisição.
Segundo Delgado, os problemas mais graves estariam em pedidos de conexão de miniusinas de carga perto do limite estabelecido a serem instaladas em áreas de perfil de carga mais baixo, o que demandaria obras de reforço em redes além das que foram planejadas inicialmente pelas distribuidoras.
Revisão das normas
As reclamações sobre o atendimento das distribuidoras são apenas uma faceta de um debate acalorado sobre a geração distribuída que se observa no setor elétrico. A Aneel abriu no ano passado uma consulta pública sobre uma revisão da Resolução 482, que trata da GD. Espera-se para outubro a abertura de uma audiência pública com uma minuta contendo as mudanças a serem efetivamente propostas, o que pode mexer com a rentabilidade dos projetos.
Hoje, quem utiliza sistemas de geração distribuída tem como benefício um desconto no uso da rede, que é paga por consumidores de todo Sistema Elétrico Nacional. A ideia é que seja estabelecida uma cobrança relacionada ao uso da rede pelo consumidor, dado o crescimento do número de sistemas instalados, sua viabilidade econômica crescente por conta do barateamento da tecnologia e do aumento da competição, e impacto para os demais consumidores.
Em meio a toda a discussão, defensores da geração distribuída chegaram a lançar uma campanha nas mídias sociais com a hashtag “#taxaroSolnao”, tentando combater os argumentos da Aneel, da Abradee e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão governamental responsável pelo planejamento do setor elétrico. Estas entidades foram a público denunciar que a campanha “faz uso de fake news”.