O fim da Aneel
Coitada da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), do seu corpo técnico e dos agentes econômicos que acreditaram que, nos últimos 20 anos, o Estado brasileiro estava construindo um órgão regulador moderno, transparente, altamente qualificado e imbuído de responsabilidade funcional na definição dos critérios que regem a área de energia elétrica.
Foi um acontecimento súbito, mas o fato é que a Aneel morreu no dia 06 de janeiro de 2020. A causa mortis foi o extremo populismo da classe política, que não resiste ao encanto de manipular tarifas olhando sempre para as pesquisas de opinião e para as eleições futuras. Agora, nas disputas contratuais do setor elétrico, não é mais a avaliação técnica que conta e, sim, quem fala mais grosso, quem tem mais capacidade de lobby e de envolver a classe política para que esta aplique o torniquete para cima da agência reguladora.
Há algumas semanas, a Aneel já havia sido publicamente constrangida por dois obscuros, desimportantes e desconhecidos deputados do Baixo Clero, ambos representantes do Estado de Rondônia, que colocaram os diretores e o corpo técnico da agência contra a parede, numa demonstração de populismo que nunca havia sido vista no setor elétrico. A questão levantada por eles dizia respeito ao suprimento em Rondônia, um assunto absolutamente paroquial e destituído de fundamentação técnica.
Nesta segunda-feira, 06 de janeiro, o golpe de misericórdia foi aplicado, por incrível que pareça, pelos três mais importantes políticos do País: o presidente Jair Bolsonaro, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e o presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre. Segundo relato do próprio presidente Bolsonaro, a troika vai barrar, através de proposta no Legislativo, qualquer iniciativa originária da Aneel que signifique adicional de custos para a energia solar.
A nossa troika política não poderia ter demonstrado mais incapacidade do que essa, de adotar essa infeliz iniciativa. Desanima qualquer um.
O que está em jogo nesta questão da energia solar é muito simples. Quando o sol começou a ser utilizado como fonte de geração elétrica no Brasil, quem tinha interesse em colocar placas fotovoltaicas gozava de um subsídio, o qual era coberto pelo restante dos consumidores. Ao colocar a Resolução 482 em avaliação, a Aneel mandou um recado: poderemos ou não, no final de um processo democrático de consulta pública, acabar com esse subsídio, pois ele já não tem razão de ser. Simples assim.
De forma competente, é preciso reconhecer, os segmentos vinculados à energia solar saíram a campo e criaram a tal taxação do sol, etc, etc. Uma verdadeira bobagem, mas que acabou sensibilizando parcelas da opinião pública e da classe política para a necessidade de manter o tal subsídio.
Bolsonaro, Maia e Alcolumbre, que não entendem nada de energia elétrica, mas entendem de populismo, embarcaram nessa lorota e fizeram uma aliança, decidindo brecar qualquer decisão da Aneel que não seja a manutenção do atual subsídio.
Em outras palavras, se a Aneel corajosamente considerar que tecnicamente o mais correto seja o fim do subsídio, já sabe que vai levar um sapecada no Congresso, com apoio inclusive do presidente da República, que deveria ser o funcionário público número um a defender a autonomia das agências reguladoras. Pensando bem, seria pedir demais para um presidente que, até chegar ao cargo atual, tinha lido unicamente manuais de centrais de tiro da artilharia do Exército e o regimento interno da Câmara dos Deputados.
Este site lamenta profundamente que o Brasil tenha chegado nesse patamar de desinformação, de manipulação e de constrangimento das áreas técnicas que têm o dever funcional de tomar decisões de caráter…técnico.
O setor elétrico tem estranhas características e na diretoria da Aneel, com cinco integrantes, dificilmente surgirá alguma decisão que contrarie a vontade do presidente da República e dos presidentes das duas Casas do Legislativo. Embora todos eles tenham mandatos e sejam livres para decidir o que quiserem, mesmo contra o Governo ou o Congresso, tudo indica que deverão se curvar à pressão que vem da Praça dos Três Poderes.
Se você é um investidor estrangeiro e está pensando em colocar o seu dinheirinho no setor elétrico brasileiro, já sabe que a agência reguladora brasileira, a partir de agora, é só de brincadeirinha. Aquela história que a Aneel é a guardiã dos contratos setoriais, bem, esqueça. Faz parte do passado.