A Aneel piscou
Maurício Corrêa, de Brasília —
Baixíssimo teor republicano nas conversas recentes de dois diretores da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) com o presidente Jair Bolsonaro.
Da mesma forma como os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, que fizeram de tudo para reduzir à insignificância o papel das agências reguladoras, Bolsonaro também não consegue entender que a Aneel não é parte do Governo e, sim, um organismo do Estado brasileiro.
Já havia sido extremamente deprimente a ida do diretor-geral da Aneel, André Pepitone, a uma conversa com o presidente Bolsonaro, que pressionou para que a agência desistisse da ideia de revisar a Resolução 482 sobre a geração distribuída.
Como se isso não fosse suficiente, no dia seguinte o relator da proposta, diretor Rodrigo Limp, também foi beijar a mão do presidente da República.
Vale lembrar que Pepitone, Limp e os outros três diretores da Aneel são possuidores de mandatos homologados pelo Senado Federal. Não precisam se prestar a isso. Eles têm mandatos exatamente para não serem obrigados a curvar a espinha dorsal para os grandões da política.
Tudo isso que está acontecendo na Aneel, de certa forma, tem um pouco de culpa da própria agência. Desde a sua criação, há pouco mais de 20 anos, a Aneel fez questão absoluta de incensar os parlamentares, de qualquer partido, de qualquer importância, de qualquer estado.
Não discriminava ninguém, ao contrário, puxava o saco de todo mundo, desde que fosse uma Excelência do nobre Poder Legislativo, possuidor do broche de ouro com a imagem do Congresso Nacional. Essa submissão, obviamente, incluía os representantes do Baixo Clero, que vem a ser a origem do presidente Bolsonaro.
De todos os diretores-gerais da Aneel, o único que nunca fez questão de oferecer esse tratamento especial aos deputados do Baixo Clero foi Jerson Kelman. Não os hostilizava, mas mantinha a necessária distância. Deputado prá lá, agência prá cá. Neste quesito, os demais DGs foram e têm sido uma vergonha.
Agora, observa-se claramente que a estratégia da Aneel de se “anatelizar” (a agência que cuida das telecomunicações hoje é totalmente controlada pela classe política) e se submeter aos caprichos do Baixo Clero redundou em fracasso absoluto. A Aneel achou, inclusive o diretor-geral atual, André Pepitone, que, ficaria mais protegida se abrisse a guarda para o Baixo Clero. Não aconteceu nada disso e a blindagem via políticos foi um fracasso.
Deputados do Baixo Clero hoje enxergam a Aneel como inimiga, utilizando o tosco argumento que a agência faz o jogo das concessionárias de energia elétrica. Isso é uma tremenda bobagem; mais do que isso, uma idiotice, que só pode mesmo ser proferida por pessoas totalmente ignorantes em questões de energia elétrica. A Aneel simplesmente aplica o que está previsto nas cláusulas dos contratos de energia elétrica e estamos conversados.
Uma situação mais ou menos similar ocorre com essa questão do subsídio da geração distribuída. Incapaz de entender a questão do subsídio, o presidente da República detonou o trabalho que a Aneel faz há meses, de revisão da Resolução 482. Chamou o presidente da Aneel e o diretor-relator da matéria e aplicou-lhes um puxão de orelha. O capitão deu uma peitada nos soldados e os colocou de pernoite.
O editor deste site está chegando aos 70 anos de idade, trabalha na cobertura do setor elétrico há cerca de 25 anos e não se lembra de ter visto tamanha submissão de diretores da agência reguladora do setor elétrico ao Poder Executivo. É verdade que isso ocorreu de alguma forma ao longo do tempo, pois realmente é complexa a relação entre o Governo e uma agência reguladora.
Mas quando aconteceu, isso foi feito com um pouco mais de elegância, não da forma vergonhosa como acaba de acontecer com Pepitone e Limp. Em outras épocas, homens públicos tomavam outro tipo de atitude. Simplesmente se pegava o chapéu, deixava uma cartinha gentil e totalmente mentirosa em cima da mesa e se mandava.
Nenhum dos dois precisa passar por isso. Eles se desmoralizaram e contribuíram para desmoralizar a Aneel. Vale lembrar que Pepitone é da carreira da Aneel. Limp é da carreira do Congresso Nacional.
Alguém poderá dizer: esse editor do Paranoá Energia é doido e está fazendo uma tempestade em copo dágua. Doido talvez seja, mas é preciso reconhecer publicamente que não se trata de uma situação comum.
Aliás, o que menos importa, no momento, é qual será a decisão que será tomada pela Aneel, se o subsídio da GD será mantido ou não. Depois de tudo o que aconteceu, o fundamental é que os diretores da Aneel foram pressionados pelo presidente da República, ficaram calados e tocaram a vida como se nada tivesse acontecido, sem contar que Bolsonaro andou falando por aí que o subsídio vai continuar.
Isso é o que verdadeiramente importa. O resto, como dizia o pessoal do Pasquim, é armazém de secos e molhados.