O Brasil de Oddone e Bolsonaro
O dia 15 de janeiro de 2020 ficará na história da infra-estrutura brasileira como emblemático daquilo que um presidente da República não pode fazer.
Passando por cima de todo mundo e atropelando toda uma estrutura organizada de Poder, o presidente Jair Bolsonaro, nesta quarta-feira fez apenas o seguinte:
1. Atacou violentamente a autonomia das agências reguladoras, um sistema que pacientemente o Estado brasileiro vem construindo ao longo de duas décadas. Nunca foi um modelo perfeito, mas sem dúvida seus resultados sempre foram muito mais positivos do que negativos;
2. Garantiu que sim. Palavra de presidente da República. Será mantido o subsídio da energia solar, algo que vinha sendo discutido publicamente pela Aneel na revisão da Resolução 482;
3. Embora a decisão seja até tecnicamente correta, o presidente da República também garantiu que não. Não haverá subsídio para tarifas de energia elétrica dos templos religiosos, uma circunstância que agradava imensamente a sua bancada evangélica. Isso não é problema de um presidente da República.
O diretor-geral da ANP, Décio Oddone, que não é bobo e tem personalidade (veja a manchete deste site) simplesmente entregou uma carta de demissão e ficará apenas mais uns dias, até a indicação de um substituto, pois não está mais disposto a trabalhar numa estrutura em que o presidente da República pensa, diz e faz o que quer na área de energia. Oddone tem exata noção da responsabilidade da ANP e anunciou que está caindo fora.
Pode-se discordar de Oddone por várias razões. Este site mesmo meteu-lhe o malho por uma declaração que ele fez há algumas semanas favorável à utilização da técnica conhecida como “fracking” na exploração de gás natural em terra. O “Paranoá Energia” é contra a aplicação do “fracking”, devido aos enormes riscos de prejuízos evidentes que pode provocar ao ambiente, às pessoas e aos animais.
Entretanto, tirando isso, é preciso reconhecer que Oddone, à frente da ANP, fez um trabalho notável. E se tem um servidor público que trabalhou intensamente para desmontar os mecanismos estatizantes feitos na época petista, que travavam os segmentos de óleo e gás, este servidor chama-se Décio Oddone. O Brasil deve a ele um agradecimento especial por ter encarado esse desafio e trabalhado com responsabilidade e dedicação.
Em apenas um ano de gestão, o presidente Bolsonaro conseguiu criar polêmicas inimagináveis na vida política. Esta opinião de editor não é o lugar exato para discutir as atitudes políticas tomadas pelo presidente da República. Brilhantes jornalistas que acompanham o dia a dia da área política o fazem com muito mais competência.
Mas este site pode, sim, meter a colher de pau no tema, quando o presidente investe de forma destrambelhada sobre um setor organizado como o de energia, metendo os pés pelas mãos em questões que ele não conhece e para as quais existem equipes técnicas altamente competentes, cuja responsabilidade funcional é tomar as melhores decisões para o País.
Ainda restam três anos de mandato e muita água vai correr por baixo da ponte. Espera-se que até lá sobre alguma coisa de pé na área de energia ou nas agências reguladoras, pois será a hora de pegar os cacos e tentar remontar o que está sendo destruído.