Abegás se desliga do Fórum do Gás Natural
Maurício Corrêa, de Brasília —
Em uma iniciativa que não causou surpresa, pois as divergências de caráter estratégico entre as partes já vinham se arrastando há vários meses, provocando desgastes no relacionamento, a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) desligou-se formalmente do Fórum das Associações Empresariais Pró-Desenvolvimento do mercado de Gás.
Assinada pelo presidente executivo da Abegás, Augusto Salomon, a carta está datada de 27 de fevereiro e foi encaminhada ao coordenador geral do Fórum, Paulo Pedrosa (que também preside a Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e dos Consumidores Livres – Abrace).
A desfiliação solicitada pela Abrace tem um alcance político que transcende a simples atitude burocrática. Afinal, as distribuidoras são controladas pelos estados e, neste caso, leia-se governadores, que por sua vez controlam bancadas parlamentares integradas por senadores, deputados federais e estaduais.
Para todos os integrantes do Fórum, a partir de agora, o jogo ficou mais sutil e sujeito a muitas dificuldades, pois todas as propostas de abertura do mercado de gás natural, serão iluminadas pela luz amarela.
Afinal, ninguém sabe dizer até que ponto as distribuidoras desejam impor o seu inegável prestígio político para barrar eventuais iniciativas no âmbito do Congresso e do Confaz para impedir o avanço de propostas que não sejam do interesse da Abegás. Pode haver retaliação no campo político.
É inegável que, agora, acabou a conversa e o jogo é essencialmente político. As partes vão medir forças. O futuro do gás natural, apesar dos discursos otimistas oficiais, será vencido pela parte que alcançar mais apoio.
Quando o Fórum foi criado, por volta de 2006/2007, já se percebia que o futuro caminhava em direção ao aprofundamento da conexão entre as áreas de energia elétrica e gás natural. Pouquíssimas pessoas entendiam como funcionava a área de GN, no setor elétrico.
Como a área empresarial praticamente desconhecia o assunto, o Governo simplesmente arbitrava todas as questões, sempre beneficiando a estatal Petrobras, em detrimento dos interesses das empresas privadas e dos consumidores. Era a velha estratégia do dividir para reinar.
Até que, numa iniciativa nascida dentro da associação dos comercializadores, a Abraceel, foi proposta a criação do Fórum, cujo objetivo inicial era unir o setor privado, para que este pudesse se contrapor com mais força ao MME. Logo após o surgimento do Fórum, a Abegás foi convidada a participar, considerando que era a associação que, na época, reunia mais conhecimentos técnicos sobre o tema.
A criação do Fórum foi uma medida mais do que acertada, pois muito contribuiu para diluir o poder do Estado em relação ao setor de gás natural. Desde então, muito se avançou em relação ao desenvolvimento do mercado de GN e muito desse resultado se deve ao trabalho do Fórum, não apenas à boa vontade do Governo de abrir o mercado.
Durante bastante tempo, a convivência dentro do Fórum foi harmônica, mas quando houve a percepção que a expansão do futuro mercado de gás natural, como imaginavam os comercializadores, consumidores industriais e outros agentes, significaria ao mesmo tempo a redução do mercado das distribuidoras abrigadas dentro da Abegás, aí, então, a coisa começou a azedar.
“O Fórum das Associações Empresariais Pró-Desenvolvimento do Mercado de Gás Natural (“Fórum do Gás”), foi criado com o objetivo de discutir e propor medidas de estímulo ao setor, buscando expandir e diversificar a oferta e elevar a competitividade do gás natural no Brasil. Nesse sentido buscou a representação de associações que atuam em diversos segmentos, todas tendo o gás natural como um recurso estratégico no desenvolvimento de suas atividades”, lembrou a Abegás corretamente na sua correspondência a Pedrosa.
Mas a associação das distribuidoras de GN também frisou que os trabalhos do Fórum, visando ao desenvolvimento do mercado, deveriam ser feitos sem privilegiar classes de consumidores ou segmentos.
A Abegás alegou que foi convocada para participar de uma reunião extraordinária do Fórum, em 12 de fevereiro, quando seria debatido o modelo de atuação e a respectiva agenda de trabalho, bem como aprovação de um texto contendo os princípios e a governança do próprio fórum.
Tecnicamente, entre outros, os principais temas que separam as distribuidoras de GN e outros segmentos, em relação ao futuro do mercado, dizem respeito ao papel de cada um na preservação e operação das redes e na segurança para todos os tipos de consumidores. Além disso, há uma profunda divergência conceitual, referente ao fato que a distribuição é uma concessão de um serviço público, e, portanto, tem caráter regulado.
É uma situação que guarda semelhança com a distribuição de energia elétrica. A própria discussão atual, que coloca as distribuidoras de GN de um lado e todos os outros agentes de outro, é muito similar ao que aconteceu em meados dos anos 90, quando o Governo Federal tomou a decisão de criar o mercado livre de energia elétrica.
Nesse contexto, as distribuidoras alegam que se relacionam com o poder público de uma forma peculiar, diferentemente do que ocorre com os outros segmentos, através da qual atendem seus consumidores e garantem os investimentos destinados à expansão da rede e implantação de novas tecnologias.
“Claro que a construção de um Novo Mercado de Gás – praticamente do zero – encerra desafios em todas as suas fases, desde a definição comum dos princípios basilares, passando por um diálogo amplo com a sociedade para definição de como se dará a participação desta em todas as etapas. Desafios que precisam ser enfrentados a partir de um processo democrático com a participação de todos os segmentos de gás natural”, diz a carta da Abegás.
“Ao se trazer para aprovação um texto elaborado unilateralmente, o qual trata acerca da Missão, Visão e Princípios do Fórum do Gás, sem uma discussão prévia e construção conjunta, esta Associação entende que o modelo de atuação adotado vai de encontro ao ambiente democrático e plural que (acredita-se) respaldaram a criação do Fórum de Gás”, ressaltou a Abegás, ao justificar a desfiliação.
Paulo Pedrosa, coordenador geral do Fórum do Gás, disse ao site “Paranoá Energia” que houve uma reflexão, no âmbito do grupo, a respeito do seu funcionamento e que as associações integrantes do Fórum decidiram que ele deixaria de ser apenas um espaço de convivência e diálogo e passaria a ter mais protagonismo.
“Vamos ser mais ativos em relação ao Novo Mercado do Gás. E vamos assumir as nossas propostas com mais força. Naturalmente, isso cria algumas dificuldades no âmbito da Abegás. São conflitos que considero naturais, pois o Fórum perderá algumas funções, mas ganhará outras, que não poderão ser assumidas pela Abegás”, explicou o coordenador.
Ele não acredita que a Abegás jogará o seu peso político para obstruir as propostas de abertura do mercado de gás natural. “Não creio em retaliações desse tipo, pois o ministro Paulo Guedes tomou uma decisão muito criativa de fomentar a competição no futuro mercado do gás não só entre os segmentos que formam a cadeia produtiva, mas, também, entre esses segmentos e os estados. Essas disputas já estão ocorrendo e vários estados estão a pleno vapor para não ficar atrás na corrida pelo gás natural. Neste aspecto, não tem sentido falar em retaliação por parte dos governos estaduais”, disse Pedrosa.