Crise deixa SEB preocupado com contratos
Maurício Corrêa, de Brasília —
Como a paralisação da economia em decorrência do Corona Vírus provoca uma desorganização quase que generalizada dos diversos segmentos, com redução no consumo de energia elétrica, o SEB já se prepara para momentos de muita polêmica, com contestação de agentes quanto às contas a pagar e recursos à arbitragem ou à Justiça.
Nesse contexto, geradores e comercializadores acenderam a luz amarela, pois podem ser afetados pela inadimplência ou rompimento de contratos. “Temos que evitar o calote generalizado. Está na hora de cada agente honrar o seu contrato”, disse a este site um empresário que não vê motivos para calote ou arbitragem. “Cada um segura a sua situação”, sintetizou.
Não é tão simples assim. A associação dos distribuidores de energia elétrica, a Abradee, saiu na frente do casuísmo e apresentou um pedido à Aneel para que a agência reguladora autorize as concessionárias de distribuição a pagar os seus compromissos junto à cadeira produtiva (leia-se geradores e comercializadores) proporcionalmente às suas receitas.
É verdade que os distribuidores serão afetados nas receitas, pois uma decisão da Aneel autorizou os consumidores de baixa renda a segurar os pagamentos de conta de luz nos próximos três meses. Mas, no mercado, existem muitas dúvidas se a Aneel vai concordar com uma mamata dessas.
Os comercializadores ainda não sabem o que fazer. O PLD oficializado nesta sexta-feira levou uma pancada nos submercados Sul-Centro Oeste e Sul, devido à queda da atividade econômica. Isso pode levar a algumas situações da mais pura sem-vergonhice, como foi explicado a este site.
Por exemplo: um consumidor esperto ligou para um agente, na semana passada, alegando que, como tem um contrato de suprimento com uma grande geradora, a um preço contratual muito mais elevado do que está sendo praticado hoje, ele (o consumidor) pretendia denunciar o contrato com a geradora, argumentando que é vítima de um caso de força maior — a paralisação da economia, e estava pensando em ir ao mercado para comprar energia elétrica por um preço muito mais barato.
Os agentes temem que isso possa acontecer e se preparam para barrar esse tipo de esperteza. Assim, a associação dos comercializadores de energia, a Abraceel, homologou um parecer técnico elaborado pela Consultoria Jurídica, o qual prega obediência aos contratos, lembra a necessidade de motivação para alegações de eventual caso fortuito ou força maior e afasta a possibilidade de interferências externas em questões comerciais bilaterais.
Este site teve acesso à opinião legal da Consultoria Jurídica da Abraceel, que, em síntese, diz o seguinte:
(i) as partes que negociam no ACL são livres para determinar, contratualmente, as condições da comercialização, inclusive a incidência ou não de caso fortuito ou força maior – ou seus limites; portanto é imperativo que sejam observadas as disposições contratuais entabuladas entre as partes e as circunstâncias específicas que afetam – se é que afetam – a parte que invoca a pandemia como caso fortuito;
(ii) eventuais disputas terão de ser dirimidas no foro adequado, que, via de regra, nos contratos de compra e venda de energia elétrica do ACL, é inicialmente o tribunal arbitral escolhido pelas partes, nos termos da Convenção de Comercialização da CCEE, de aderência obrigatória por aqueles que participam do ACL;
(iii) em referência ao item (ii), recomenda-se que as partes negociem alternativas de manutenção de seus contratos, em busca do benefício de evitar litígios, os quais, via de regra, impõem ainda mais custos, consomem tempo significativo e, por mais que se acredite no direito deduzido perante o tribunal eleito para solução do caso, têm desfecho de difícil previsão, além de conduzirem a solução por terceiros, fora do controle das partes;
(iv) os contratos de compra e venda de energia elétrica no mercado livre, sejam eles pactuados entre quaisquer agentes do setor (geradores, autoprodutores, comercializadores, consumidores, etc.), são instrumentos com características financeiras, visto que não pressupõem entrega física de mercadoria. Pelo contrário: os desbalanços são liquidados no mercado de curto prazo ao preço de Liquidação de Diferenças. Cabe ressaltar que caso o PLD estivesse acima do preço do contrato, dificilmente haveria denúncia de contrato, já que a sobra de energia seria liquidada gerando resultado positivo para o agente no MCP;
(v) a discussão que se coloca é, portanto, financeira e se resume à diferença entre preço contratual e PLD, não a frustração da integralidade do preço contratual;
(vi) para ser eximido de obrigação por caso fortuito, um agente consumidor afetado deve comprovar, cumulativamente, (a) ter sofrido fechamento físico de seus estabelecimentos ou percebido efeito equivalente ao provocado pelo fechamento – como pode ocorrer com a redução da demanda provocada por medidas oficiais de confinamento, as quais, por impedirem a circulação de pessoas, inviabilizam o consumo e o comércio, (b) ter sofrido frustração de receita por efeito direto das medidas de quarentena e (c) não poder contornar a situação, o que inclui venda do excedente ou liquidação no MCP, ou demonstrar que a diferença de preço torna sua atividade insustentável;
(vii) a caracterização de caso fortuito é ainda mais difícil para comercializadores e geradores, ou seja, agentes que exercem a atividade de comercialização, pois possuem meios mais evidentes de contornar os eventos, o que pode esvaziar o requisito da “inevitabilidade” para caracterização do caso fortuito. Ademais, o risco de variação de preços e demanda pode ser interpretada como inerente à atividade de comercialização de energia, caracterizando-se como álea interna de seu negócio; e
(viii) a incidência de eventuais cláusulas de caso fortuito deve ser limitada à vigência das respectivas medidas que ensejaram aplicação da cláusula, pois não se confundem os efeitos da pandemia e das medidas de quarentena com eventual recessão econômica de efeito possivelmente mais duradouro.