O gás natural e o Centrão
O desastre gerencial que tem sido o presidente Jair Bolsonaro no exercício de suas funções — perdendo tempo e energia com questões que não têm qualquer importância, enquanto o País está mergulhado no caos que é a pandemia, com os milhares de mortos e mais de 1 milhão de infectados — esconde algumas situações nas quais o Brasil vai relativamente bem, pois Bolsonaro não se intromete e deixa correr solto. É o que está acontecendo no segmento de gás natural.
Na semana passada, o chamado Fórum de Desenvolvimento do Mercado de Gás Natural se reuniu com o Comitê de Monitoramento da Abertura do Mercado de Gás Natural (CMGN). Foi uma reunião produtiva, que não se perdeu em questiúnculas de natureza burocrática. Quem participou concluiu com convicção que é irreversível o caminho tomado pelo Brasil visando a ampliar a concorrência no setor de gás natural.
Este site apurou que o governo se fez representar em alto nível, com especialistas do MME, ANP, BNDES, Casa Civil, e Cade. Quanto ao Fórum, é integrado pelas associações que têm interesse no desenvolvimento do mercado.
Uma das questões que contam com unanimidade tanto no governo quanto na iniciativa privada é a urgência na aprovação do PL 6407, de 2013, embora se considere que a pandemia virou o jogo na medida em que há uma certa desarticulação parlamentar, sem contar que ninguém sabe ainda o que vai ocorrer quanto às eleições municipais deste ano, o que exige muita presença dos congressistas.
O MME e a Câmara estão falando a mesma língua em relação ao projeto, o que já é um aspecto positivo. O grande desafio agora consiste em fazer com que o deputado Rodrigo Maia se sensibilize e coloque o PL em regime de votação urgente para apreciação pelo plenário.
Na reunião Fórum do Gás/Governo, também foi evidenciada a necessidade de se buscar uma solução para as dificuldades que existem no segmento em relação à regulação. No setor elétrico, vale lembrar, o assunto é mais fácil de ser conduzido, pois a regulação é federal, através da Aneel, mas, na área de gás, existe um tremendo complicador, que é o fato de cada unidade da federação é que diz como o GN vai se viabilizar naquele pedaço do território brasileiro. Isso obviamente passa pelas bancadas parlamentares de cada estado.
Existem outras questões envolvendo o gás natural e este site tem aberto espaço para discutir cada uma. O fundamental no momento é observar a expectativa, que é positiva. O modelo do gás natural é complexo e não será mudado de um dia para o outro, até porque existem divergências envolvendo a área empresarial.
As atuais distribuidoras de gás canalizado, que são estaduais, se sentem alijadas do processo e discriminadas pelas demais associações do Fórum, tanto que se desligaram dele. Sem dúvida, gostariam que as alterações fossem encaminhadas de outra forma.
Essa parece ser uma questão em que todo mundo tem razão, mas é a típica decisão que vai demorar ainda um pouco para ser adotada, pois envolve o mundo político, autonomias estaduais, etc.
Não resta dúvida que o modelo atual é anacrônico e deixa a competitividade em segundo plano. O X da questão consiste em definir quem vai perder mais ou menos na transição para o novo modelo.
Nisso, os ministros Paulo Guedes, da Economia, e Bento Albuquerque, de Minas e Energia, estão rigorosamente afinados. A pergunta que não pode deixar de ser feita é a seguinte: o que pensa o presidente Jair Bolsonaro, se é que ele pensa alguma coisa, sobre todas essas mudanças, agora que ele está alinhado com o Centrão e este grupo de parlamentares conservadores nunca se mostra interessado em ideias inovadoras?
Também não se pode esquecer que o Centrão sempre teve uma admiração especial pelo Ministério de Minas e Energia, que é uma espécie de filé mignon na administração pública. No início deste ano, um senador do Centrão andou se insinuando pelos corredores de Brasília, dizendo que não ficaria insatisfeito se fosse indicado para uma eventual vaga de Albuquerque no MME. Embora seja um senador medíocre, já percebeu com perspicácia que a área de energia representa um enorme patrimônio político e já cresceu o seu olho grande para cima do bloco U da Esplanada dos Ministérios.
Nos últimos anos, as associações empresariais da área de energia, quase todas presentes no Fórum do Gás, cortejaram abertamente os integrantes do Centrão, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Vão descobrir agora até onde vão os reais interesses do Centrão: se são apenas aqueles rigorosamente republicanos ou se são as velhas manias do Centrão de manipular eleitores e preservar a sua maneira populista de fazer política.
E o Brasil que se dane.