Abraceel já tem projeto para energia de Itaipu
Maurício Corrêa, de Brasília —
A área empresarial já está se movimentando nos bastidores em relação à futura descotização da energia gerada pela binacional Itaipu. Este site apurou que a associação dos comercializadores, a Abraceel, iniciou os debates internos sobre a questão, a partir de uma proposta apresentada pelo consultor jurídico da organização, Julião Coelho.
O modelo proposto — que por enquanto é apenas o ponto de partida de uma discussão que passará por outras etapas, até a elaboração da proposta final da associação —pressupõe a realização de leilão para a outorga do direito de comercialização dos montantes de energia associados à parcela brasileira da UHE Itaipu, sendo o maior valor de bonificação o critério de seleção.
De acordo com os seus cálculos, a garantia física da usina é de 7,8 mil MW médios, mas o montante comercializável se limita a 5,7 mil MW médios, sendo que a parte brasileira soma 3,3 mil MW médios e a paraguaia, 2,4 mil MW médios.
Segundo a ideia básica desenvolvida pelo consultor jurídico da Abraceel, todos os agentes da CCEE poderiam participar da descotização e seria definido algum tipo de mecanismo para restringir a concentração de mercado. Ao detentor da outorga seria alocado o risco hidrológico e cambial.
Uma das questões que despertam mais curiosidade em relação à descotização da energia produzida pela binacional Itaipu é o fim que será eventualmente dado à bonificação. A proposta em desenvolvimento na Abraceel assinala preliminarmente que 60% do valor das bonificações de outorga seriam destinados em prol da modicidade tarifária; 30% seriam para a União; e 10% iriam para criação de um fundo voltado ao pagamento de parcela dos custos de operação e manutenção da UHE Itaipu. A transição seria escalomada em três anos.
Por enquanto, conforme o “Paranoá Energia” apurou é tudo embrionário. As comercializadoras associadas à Abraceel deverão enviar contribuições à Diretoria-Executiva à proposta básica de Julião Coelho até o próximo dia 14 de agosto. Ele vai preparar um novo texto, que será discutido pelo Grupo Técnico da associação. Só após o encerramemto da discussão na área técnica é que a questão finalmente será examinada pelo Conselho de Administração e Diretoria-Executiva.
As informações colhidas pelo site indicam que a questão da descotização da energia de Itaipu abrange também outras hidrelétricas hoje controladas pela holding federal Eletrobras. A preocupação da associação deriva dos eventuais impactos que essa nova situação provocará sobre o ambiente da energia livre nos próximos anos.
O Tratado de Itaipu vence em 2023 e há pelo menos 10 anos os comercializadores vêm se movimentando, mesmo que timidamente, para tentar entender como essa energia impactará o mercado livre, mas principalmente como o segmento poderá expandir as suas operações utilizando esse extraordinário volume de energia que será comercializada de forma diferente da atual. É uma oportunidade de negócios que ninguém despreza no mercado de energia elétrica, principalmente os comercializadores. Ou seja, o segmento quer saber como a energia de Itaipu poderá se transformar em grana. De forma legal, é claro.
Nesse contexto, as ideias preliminares discutidas no âmbito da Abraceel examinam alguns cenários. Um deles consiste na possibilidade de abrir todo o mercado até 2025 sem impactar os contratos legados das distribuidoras. Além disso, também se pensa na inserção gradual da energia de Itaipu no ACL já a partir de 2021, o que, na visão dos comercializadores, permitiria antecipar a abertura de toda a alta tensão brasileira já no próximo ano. Outro cenário compreenderia a necessidade de antecipar e concatenar as decisões, de modo a preservar o equilíbrio do mercado, bem como de aperfeiçoar a forma de contratação regulada para evitar novos legados e não atrasar o processo de abertura do mercado livre.
Para o consultor jurídico da Abraceel, a proposta básica sobre a descotização da usina proveniente da binacional Itaipu possibilitaria a aquisição de energia da UHE Itaipu por inúmeros agentes de mercado, incluindo a compra direta por consumidores livres. Também contribuiria para desonerar o consumidor cativo dos riscos hidrológico e cambial associados à comercialização da energia da UHE Itaipu, riscos que têm elevado a tarifa de repasse de potência nos últimos anos.
Outro benefício seria promover modicidade de tarifas e preços, atenuando o impacto tarifário decorrente dos efeitos da pandemia de Covid-19, mediante adequação do nível de contratação das distribuidoras à nova realidade de seus mercados. Acredita-se que a proposta provocaria também a redução do déficit fiscal, dado que uma parte dos valores percebidos com a implementação do modelo proposto seria revertida à União Federal. Uma conseqüência fundamental para os comercializadores seria o aumento da oferta de energia elétrica para o mercado livre, por meio da destinação de parcela da energia proveniente da usina.
Uma questão que não se pode deixar de avaliar no projeto é o interesse do Paraguai, o outro sócio da binacional, em toda essa conversa. Essa é uma questão altamente sensível, que envolve a UHE Itaipu desde os seus primórdios, quando ainda não passava de um projeto que no final dos anos 60 existia apenas nas cabeças de diplomatas de ambos os países. Por isso, o consultor jurídico da Abraceel está antenado para a questão política bilateral e entende que devem ser conferidas ao país vizinho “ adequadas condições comerciais para manter a destinação dos montantes de energia que não utiliza”.
Na proposta, Coelho mostrou que sob o regime de cotas, todos os riscos associados à comercialização da energia de Itaipu são alocados para os consumidores. “Somente a título de risco hidrológico, os consumidores tiveram que suportar quase R$ 10 bilhões com as exposições das cotas de Itaipu no triênio 2017-2019. O regime atual submete o consumidor cativo também ao risco cambial. No cenário atual, com o câmbio em patamar superior a R$ 5/US$, os consumidores cativos das distribuidoras cotistas de Itaipu são compelidos a suportar despesas da ordem de R$ 22,5 bilhões por ano”, diz o anteprojeto.