Modelo gagá do SEB pede socorro
Um sábio do interior de Minas já dizia, há muitas décadas, que não há bem que sempre dure, mas que não há mal que não se acabe. Um comunicado divulgado pelo ONS mostra que isso talvez esteja acontecendo no setor elétrico brasileiro. Seria muito bom se isso fosse verdade.
Segundo o informe, o ONS e a CCEE estão cooperando tecnicamente em um projeto de Pesquisa & Desenvolvimento sob responsabilidade da geradora Engie, visando à busca de um projeto para melhoria da formação de preços de energia no Brasil. A execução do projeto cabe à consultoria PSR.
Essas informações são muito interessantes, para não dizer extraordinárias. Afinal, organizações que vêm contribuindo há anos e anos com uma série de atrasos no SEB, como o anacrônico modelo computacional de formação de preços, de repente viram a luz (sem trocadilho) e descobriram que mesmo em um modelo centralizado de despacho, como existe no Brasil, é possível, sim, viabilizar um mecanismo em que os preços sejam definidos pelos próprios agentes vendedores e compradores e não pelos modelos matemáticos mágicos arquitetados pelos gênios do Cepel e da PSR.
Se isso algum dia de fato acontecer, será um grande avanço. O fato concreto é que o ONS, a EPE, a CCEE, a Aneel e o próprio MME, com a colaboração histórica da sempre presente consultoria PSR, há anos insistem na formatação de programas matemáticos que já deram água há muito tempo e só eles não sabem disso. Isso tudo é muito curioso, pois eles são os gênios. Deveriam saber. Na realidade, é possível que saibam, mas fingem que não.
Há dois anos, o MME lançou uma proposta de modernização do setor elétrico brasileiro, que de maneira hiper-ultra-tímida, mencionou uma possibilidade talvez quem sabe algum dia o Brasil dispor de um modelo de formação de preços que seja simples: eu vendo a energia por tanto, você compra por tanto. Operação fechada. Não, isso não pode. Seria muito simples e um país complexo como o Brasil não admite algo desse tipo. É preciso sofisticar.
O setor elétrico não é tão simples assim, costumam dizer os gênios. Então, para sofisticar é preciso complicar um pouco. Talvez seria melhor colocar mais um programinha computacional aqui ou ali, remendando e dando sobrevida a duas múmias do SEB, que atendem pelos nomes de Newave e Decomp, que fazem parte da geriatria da matemática aplicada à formação de preços do setor elétrico brasileiro. Todo mundo embarca nessa conversa, pois os gênios são os gênios e não podem ser contestados. Eles são os donos das verdades matemáticas engendradas no Cepel e na PSR.
A Engie, que é uma empresa enorme aqui dentro, mas é muito maior lá fora, sabe que o processo brasileiro de formação de preços é antiquado, custa muito caro e só faz a alegria das centenas de técnicos do Governo e de especialistas das empresas que têm a missão de fazer contas todos os dias, para descobrir, com alguma desilusão, que esse negócio de programa computacional para formar preço de energia elétrica é uma gigantesca bobagem. Já teve sentido, talvez, no final dos anos 90, mas hoje está totalmente ultrapassada. Apesar disso, é abençoada, aliás, por todos os dirigentes que passam pelo MME, inclusive os atuais.
Tudo então é feito com extrema lentidão, com enorme cuidado, para não ferir as sensibilidades dos gênios. Esse blá-blá-blá viaja pelos bastidores do SEB há anos, embora muita gente saiba que em outros países, inclusive fronteiriços, se pratica outro tipo de mecanismo, na hora de formar preços, que não tem qualquer relação com as barbaridades anti-históricas que são praticadas no Brasil.
Coitado do Brasil, que é obrigado a sustentar uma estrutura caríssima e ineficiente, apenas para justificar a adoção de um modelo gagá.
Ninguém sabe o que vai acontecer com esse projeto de P&D patrocinado pela Engie. De qualquer forma, em um país onde todo mundo tem medo de mexer nas estruturas carcomidas do setor elétrico, de repente pode ser uma boa notícia. Enfim, sempre é melhor tarde do que nunca.