Energia no Amapá retorna parcialmente
Sem energia elétrica, moradores das cidades do Amapá enfrentam borrachudos e bombas de efeito moral. Uma onda de revoltas pelo apagão, que entrou neste domingo, 8, no sexto dia, ocorre nos bairros das periferias.
Na noite de sábado, e madrugada de domingo, um protesto em Remédios II, no município de Santana, a 20 quilômetros de Macapá, foi reprimido pela tropa de choque do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar. Os agentes dispersaram a manifestação, que bloqueou com fogo e pneus uma das vias de acesso à cidade, de cerca de 120 mil habitantes.
Neste sábado, o governo federal anunciou a retomada do abastecimento de 65% da energia, com um sistema de rodízio. Moradores, porém, relatam instabilidade em Macapá e no entorno. A previsão oficial é que a situação seja totalmente normalizada só no fim desta semana, mas a Justiça obrigou o restabelecimento da energia no Estado em até três dias.
Protestos de moradores pela falta de uma solução para a interrupção da rede elétrica e de água, que depende de bombas, acontecem desde a última terça-feira, 3, em pontos diferentes do Estado, incluindo a capital. Uma subestação de energia pegou fogo na terça, o que deu origem ao apagão.
A cúpula da polícia amapaense deu aval ao uso do choque contra os atos, que não têm lideranças definidas. Nos dias anteriores, houve manifestações menos tensas em São José, Pedrinhas e Muca. Todos são bairros de população de baixa renda na região sul de Macapá.
Em Santana, moradores reclamavam da expectativa frustrada de restabelecimento temporário nos bairros situados a partir da Rua Cláudio Lúcia Monteiro, na entrada do município, via onde funciona o Fórum de Santana. A promessa era a de que teriam energia durante seis horas do sábado. Em menos de sessenta minutos, o fornecimento caiu.
A mesma oscilação foi registrada em outros pontos da cidade. É uma realidade que contrasta com a aparência de normalização e resolutividade que o governo federal procura demonstrar. Nas comunidades, a escuridão completa potencializa o medo da violência.
A queixa mais comum nas ruas dos bairros é sobre a impossibilidade de usar ventiladores e ar-condicionado. Com isso, os carapanãs, infernais mosquitos borrachudos da Amazônia, aproveitam as janelas abertas para tornar as noites quentes desagradáveis.
Os moradores não têm informações sobre os critérios do rodízio para escolha dos bairros que serão religados, nem sobre os períodos em que a energia estará disponível nas tomadas. “Estamos reivindicando porque não aguentamos mais. Não sabemos mais o que fazer. Estamos sem luz, sem internet, sem comunicação Isso não é justo. Para uns tem (energia), para outros não tem”, disse a dona de casa Marta Lúcia Moraes, de 47.
Policiais admitem preocupação com escalada da revolta
O relógio marcava 22h50 de sábado quando os manifestantes cercaram a equipe de reportagem. Homens e mulheres, jovens e adultos, do bairro Remédios II, chegaram se atropelando em desabafos dramáticos. Não tem comunicação, dizia um. Não tem energia para refrigerar a carne cara, reclamava outro. Não tem água para tomar banho. Não tem água para limpar privadas.
“A gente não pode se calar. Não podemos aceitar isso que estão querendo impor para nós. Temos de ir pra rua manifestar, ir atrás dos nossos direitos. Nossos alimentos estão acabando, estragando”, esbravejou Juliana de Jesus, de 28 anos.
Quatros jovens apareceram com rostos cobertos por camisas para não revelar as identidades. À equipe de reportagem, disseram que policiais militares haviam ameaçado prendê-los arbitrariamente, mas sem dar detalhes. “Reportagem? Pode colar, na humildade. Queremos respostas, não queremos quebrar nada”, afirmou um deles A tropa de choque chegou sem fazer barulho. Sob comando de um tenente, partiu para cima do grupo com a munição de efeito moral Manifestantes revidaram arremessando paus e pedras.
Ao progredirem em direção às barricadas, recomendaram à reportagem cautela no cruzamento com ruas transversais: a população local costuma ter espingardas e, protegidos pelo escuro, poderiam radicalizar. O acirramento se estendeu por mais uma hora. Não houve registros de feridos até o início do dia. Policiais confidenciaram preocupação com a escala das revoltas, caso a situação não volte ao normal em breve.
Governo tenta amenizar a situação
No 5º dia do apagão, o fornecimento de energia elétrica começou a ser restabelecido no Amapá neste sábado, 07 de novembro, com rodízio em turnos de seis horas. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, informou no fim da tarde que 65% da carga do Estado havia sido retomada. O serviço deve voltar ao normal até o fim da próxima semana. Ao menos 13 dos 16 municípios do Estado foram afetados pelo blecaute causado por incêndio em uma subestação de energia na noite de terça-feira. Amapaenses relataram dificuldade para conseguir água e comida na semana.
“Conseguimos restaurar boa parte da carga do Estado e esperamos que isso vá se restabelecendo até 100% nos próximos dias”, disse o ministro, após vistoriar os trabalhos em Macapá junto do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Em vídeo nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro deu a previsão de dez dias para retomar todo o serviço.
Na madrugada, a energia foi reconectada ao Sistema Interligado Nacional após a conclusão dos reparos em um dos transformadores da subestação de energia queimada. O conserto foi concluído às 3 horas da manhã. Os primeiros consumidores começaram a receber eletricidade às 4h19m. Cerca de 90% dos 860 mil moradores do Estado chegaram a ficar sem luz.
A retomada ainda não atende a todas as áreas da capital. O nível de carga do transformador chegou em 100 megawatts (MW) ontem. Conforme a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA), é preciso chegar à 120 MW, além dos 30 MW de carga que estão sendo distribuídos por meio da Usina de Coaracy Nunes para atender, ainda que de forma limitada, as treze cidades sem luz.
Conforme o governo estadual, um cronograma de racionamento para os próximos dias será divulgado. “O rodízio será em turnos de 6 horas”, disse. A restrição de atendimento não vale para serviços essenciais, como os de saúde. Segundo o governador Waldez Góes (PDT), nenhum hospital ou unidade de saúde teve o fornecimento de energia interrompido no blecaute – houve uso de geradores para manter o funcionamento.
“Aos poucos a energia retorna em alguns locais do Estado, na capital Macapá e em Santana”, disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), em vídeo nas redes sociais. Na noite de anteontem, moradores fizeram protestos nas ruas.
Desinfecção da água
Em Macapá, a prefeitura manteve a distribuição de água para moradores desabastecidos em ao menos três pontos da cidade no sábado. O governo estadual ainda anunciou a locação de caminhões-pipa, geradores e combustível. Para evitar a venda de água mineral e outros itens básicos por preços abusivos, o Procon anunciou inspeções.
O Estado também começou a distribuir 15 mil caixas de hipoclorito de sódio a 2,5% para a população para ser diluído em um litro de água. Segundo a gestão, o produto tem o objetivo de desinfetar e tornar a água potável. “O objetivo é prevenir doenças oportunistas que podem ser geradas com o consumo de água não própria”, informou.
Segundo Albuquerque, foram iniciados estudos de planejamento energético para evitar novas crises. “Serão apuradas responsabilidades e um procedimento administrativo foi iniciado na quarta pela manhã, logo após o incidente”, disse o ministro. O Ministério Público Federal também investiga o caso.
Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro, sugeriu ontem que uma empresa particular pode ter sido responsável pelo apagão que atinge o Estado. Ele disse que “não queria culpar ninguém”, mas, sem citar nomes, questionou o trabalho de manutenção realizado pela companhia. “Acho que falhou a manutenção da empresa particular que fornece a energia”, disse, em vídeo nas redes sociais.
A subestação e a linha de transmissão que falharam são da Gemini Energy, gerida por fundos de investimento. A concessão, formalmente chamada de Linhas de Macapá Transmissora de Energia, pertencia à Isolux, que entrou em recuperação judicial na Espanha. No fim de 2019, a linha foi comprada pela Gemini. Procurada na noite de sábado para comentar a acusação, a Gemini não se manifestou.