CCEE prevê fim da confidencialidade no ML
Maurício Corrêa, de Brasília —
A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) está enviando à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a Nota Técnica número 3, que aumenta as normas visando à segurança das operações no mercado livre. Em seguida, a NT será disponibilizada no site da própria CCEE, para conhecimento de todo o mercado. Uma questão em especial divide profundamente os agentes e a CCEE: a obrigação de abrir os preços contidos nos contratos confidenciais de compra e venda de energia elétrica.
Essa questão, aliás, tem sido uma fonte de divergências profundas envolvendo a CCEE e os agentes ao longo dos anos. Em outras oportunidades, por mecanismos diferentes, a CCEE tentou avançar sobre a confidencialidade dos contratos, mas essas iniciativas sempre foram barradas pelos comercializadores, inclusive mediante ações judiciais. Agora, mais uma vez, a CCEE tenta obrigar os agentes a abrir mão dos seus segredos contratuais, repetindo o mesmo argumento do passado, ou seja, que sem isso é impossível monitorar as operações e coibir ações fraudulentas.
Muitos consumidores livres argumentam que esse detalhe da confidencialidade dos preços é fundamental na competitividade entre as empresas. Na maioria dos casos, o preço da energia elétrica pode ser um relevante diferencial no mercado competitivo entre, por exemplo, dois fabricantes de produtos similares. Embora a CCEE garanta que os segredos dos preços serão preservados, entre os comercializadores tem muita gente que desconfia disso.
Este site apurou que dirigentes da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) tiveram duas reuniões com a CCEE, há poucos dias, para discutir o assunto.
No último dia 04 de novembro, com a conselheira Roseane Santos, da CCEE, e o gerente executivo Carlos Dornellas, quando estes fizeram uma apresentação preliminar sobre as propostas contidas na NT. Dois dias depois, os diretores da Abraceel se reuniram com o Conselho da CCEE, quando aprofundaram as discussões sobre os efeitos da NT.
A conselheira Roseana deixou claro que a Câmara precisa obter informações que hoje não estão disponíveis. Esses dados seriam fundamentais não apenas para monitorar as operações das comercializadoras, mas, também, para oferecer a devida transparência ao mercado.
Na reunião com a Abraceel, a conselheira da CCEE destacou que a implementação das medidas acontecerá de forma organizada e com previsibilidade. Garantiu que a Câmara não tem como objetivo intervir na liberdade das relações comerciais dos agentes.
Propostas
A NT traz um conjunto de propostas que ao mesmo tempo agradam e desagradavam ao mercado. A primeira delas, por exemplo, considera os preços de mercado como referência para análise do CVaR.
O CVaR é uma ferramenta que na avaliação da própria CCEE permite uma melhor gestão e mensuração dos riscos aos quais os agentes estão expostos no mercado de energia. Desse modo, os agentes podem verificar os seus riscos de exposição no Mercado de Curto Prazo (MCP), conforme os contratos de compra e venda de energia elétrica registrados na CCEE.
De acordo com a NT, seria então utilizada a curva de preços indicada pelo Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia (BBCE), uma plataforma eletrônica de negócios controlada por empresas associadas à Abraceel.
A segunda proposta foi recebida com certa desconfiança pelos comercializadores, pois foca na definição de regras mais claras, com gradação de sanções e procedimentos mais detalhados no monitoramento.
Uma das principais funções da CCEE é acompanhar o dia a dia dos agentes de comercialização, para evitar fraudes ou manipulação de mercado. A Câmara por isso precisa ficar atenta a condutas consideradas atípicas, como criação artificial de demanda, manipulação de preços, operação fraudulenta, omissão de informações e até mesmo algo que é conhecido como aluguel de lastro.
É verdade que são iniciativas combatidas pela própria Abraceel. Mas eventualmente aparecem uns espertalhões (como em praticamente todos os mercados) que às vezes desejam operar à margem das regras do jogo. Eles acabam prejudicando aqueles agentes que respeitam as normas. É nesses malandros que a CCEE fica de olho. Nesse contexto, a CCEE vai propor gradações para os tipos de sanções a depender dos impactos, isto é, se restritos ao agente ou afetando a coletividade;
Após um período de transição, as novas regras de segurança da CCEE deverão prever o registro dos preços dos contratos, em conjunto com a disponibilização do book. Roseane Santos antecipou que o agente informará os preços, que serão criptografados, e essa informação não será disponibilizada e nem acessada individualmente pela CCEE.
Essa é uma preocupação que há anos ronda o mercado livre, devido ao caráter estratégico da informação e à exigência de confidencialidade manifestada nos contratos de compra e venda. Assim, a CCEE garantiu que terá acesso apenas ao resultado consolidado do cálculo da exposição do agente, ou seja, que não receberá a informação de preço individual, que ficará disponível apenas ao agente.
Todas essas informações foram repassadas aos associados da Abraceel neste final de semana, por meio de um relatório a que o site “Paranoá Energia” teve acesso.
“Rose (conselheira Roseane Santos) destacou que os encontros com as associações e agentes estão alinhados com as premissas da CCEE – baseadas em transparência e amplo diálogo com o mercado na elaboração das propostas – que estão sendo trabalhadas com as consultorias Risco Métrica (mercado financeiro) e Thymos (mercado de energia). Além disso, a conselheira frisou que a CCEE não tem o interesse de se tornar uma Clearing House, pois não tem fins lucrativos”, destacou o relatório da associação..
Dois dias depois da primeira reunião, o Conselho de Administração da CCEE e a Diretoria Executiva da Abraceel voltaram a discutir o tema da segurança do mercado na visão da Câmara. Foi perguntado a Rui Altieri, presidente do Conselho da CCEE, se a declaração de preços seria obrigatória.
Esse é um detalhe que historicamente incomoda os agentes (abrir os valores dos contratos). “Nada está escrito na pedra”, respondeu Altieri, valorizando a importância do diálogo para a construção de soluções. Entretanto, ele ressalvou que a NT prevê que a entrega do preço será obrigatória, após um período de transição de dois anos.
Altieri, segundo o relatório a que este site teve acesso, argumentou que desde várias ocorrências de inadimplência registradas entre comercializadoras, no início de 2019, houve muita discussão, mas nenhuma medida concreta foi implementada. Ele entende que é preciso avançar, sendo necessária a discussão de alterações. Citou que momentos como o atual, de alta volatilidade dos preços, são delicados e merecem atenção.
Na visão dos conselheiros da CCEE é fundamental ter acesso aos preços praticados pelos agentes, para que o monitoramento seja efetivo. Esta é a razão pela qual a Câmara busca uma solução criptografada que possa preservar esses dados contratuais.
Nessa segunda reunião com os conselheiros da CCEE, o diretor Alexandre Lopes, da Abraceel, levantou dúvidas sobre a necessidade de informar os preços, alegando que a CCEE não faz a liquidação dos contratos bilaterais. Apenas liquida as diferenças no MCP e esse, portanto, deveria ser o foco das medidas a serem adotadas pela Câmara.