O apagão de Bolsonaro 3
A crise de abastecimento de energia elétrica no Amapá virou mesmo o campeão de títulos neste cantinho do editor. Com este texto, já são três as opiniões do editor que têm como título “O apagão de Bolsonaro”. Paciência, leitores. De fato, o que está acontecendo é muito relevante e merece a atenção de todos os brasileiros, não apenas daqueles que se interessam pelos assuntos do SEB.
Já foi dito e redito que o presidente Bolsonaro é um político muito estranho. Fala e pratica esquisitices e coisas sem pé e sem cabeça, como se fosse um irresponsável (o que provavelmente não é) e estivesse no mundo da lua. Este editor já conversou com um general influente, o qual alegou, em tom de brincadeira, que Bolsonaro, se existisse um teste prévio feito por uma junta médica independente, provavelmente não poderia ser candidato a presidente da República, do mesmo jeito que a ex-presidente Dilma, aquela que vive chorando pelos cantos dizendo que foi derrubada por um golpe. Bolsonaro e Dilma simplesmente seriam rejeitados pela junta médica por incapacidade mental.
Dilma é passado e vamos deixar a ex-presidente no canto dela. Talvez um dia caia a ficha e ela descubra que foi apenas incompetente. Quanto a Jair Bolsonaro, ele é mais esperto do que parece. Embora aquela facada em Juiz de Fora tenha ajudado bastante, ele não virou presidente da República por acaso. Soube captar como nenhum outro candidato o aspecto do antipetismo. Navegou na onda e chegou lá. É verdade que, depois que chegou lá, não soube o que fazer e é por isso que o seu governo é um desastre. A pandemia que o diga.
Aqui não é um site político e tampouco é o lugar para se fazer a exegese da gestão Bolsonaro como um todo. Entretanto, o Amapá está aí, ainda pertence ao Brasil, e o problema de falta de energia elétrica caiu no colo do atual presidente. É um tema por excelência deste site.
Para começar, Bolsonaro, que sabe dissimular muito bem (provavelmente foi bom aluno nas aulas sobre camuflagem de centrais de tiro no seu curso de Artilharia na Aman), não deu a mínima até agora para a questão do Amapá. Poderia ter entrado em um avião e pedido para descer em Macapá, para pelo menos fingir solidariedade à população local. A situação lá é tão grave que até uma eleição foi adiada. Mas, não.
O presidente de todos os brasileiros preferiu ficar quietinho no aconchego do Palácio Alvorada, conversando com os seus puxa-sacos amalucados que ficam no cercadinho diariamente, orando e xingando jornalistas e as oposições. Essa turma do cercadinho também poderia passar pela junta médica.
Ora, faz muito calor no Amapá e isso provavelmente o incomoda um pouco. Aquele monte de gente reclamando de falta de luz, camisa grudando no corpo, um sol danado. Não deve ser bom para um presidente da República, mesmo um machão como Bolsonaro, que gosta de dar murro na mesa e distribuir esporro, nem que seja através de lives na internet. Nos últimos dias, perguntado pelo Amapá, o presidente simplesmente não se deu ao trabalho de responder.
Se ele não pode ir, alguém tem que ir lá em nome do Governo Federal, e olhar na cara da população local. Bom, quem tem ido é o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Aliás, isso faz parte do contracheque dele.
Só que existem sutilezas em tudo isso. Bolsonaro está fazendo um hábil jogo duplo e isso já foi detectado por especialistas que trabalham na Esplanada dos Ministérios. Por um lado, o presidente está tirando o corpo fora da crise e entregando a cabeça do seu ministro de Minas e Energia numa bandeja de prata. Simultaneamente já foram identificadas conversas discretas com o Centrão, que, desde que chegou ao Governo Bolsonaro, não tira o olho grande de cima do MME. Quer porque quer ficar com a Pasta. O MME pode se transformar em um excelente balcão de negócios e isso Bento se recusa a fazer. É bom saber que ainda existem ministros desse tipo.
Só que Bento Albuquerque — que embarca de novo para Macapá nesta quinta-feira, 19 de novembro — não é um ministro qualquer. Para começar, é totalmente leal ao presidente. Isso não chega a ser um problema para eventual demissão, pois o presidente já deu as contas para outros assessores igualmente leais. Tem um pequeno detalhe: embora as pessoas só se lembrem do ministro da Saúde, general Pazuello — aquele que obedece ordens, inclusive de indicar medicamentos sem comprovação científica — Albuquerque é um almirante de esquadra da ativa. Ou seja, equivale a um general de quatro estrelas do Alto Comando do Exército. Não é um qualquer. Está no último posto da Armada.
Ademais, Bento foi para o MME numa espécie de negociação com a Marinha. Antes de assumir o MME, ele era o principal especialista da Armada em energia nuclear e tocava o projeto de construção do submarino nuclear brasileiro. Nessa condição, no MME ele tem hoje a tarefa gigantesca de concluir a construção da usina nuclear Angra 3, que se arrasta há anos.
Assim, a análise que se faz em Brasília é que o Amapá — aquele estado carente, localizado no Extremo Norte do País, do qual ninguém se lembrava na Esplanada dos Ministérios — acabou criando um problemão político para Bolsonaro, que precisa encontrar um responsável pela crise. O diretor-geral da Aneel seria o melhor nome para perder o emprego, pois a sua fiscalização falhou escandalosamente na questão do Amapá. Só que André Pepitone e seus colegas de diretoria têm mandato e não podem ser demitidos. Estão na mesma condição do general Mourão. Essa falha da Aneel, no caso, é para ser analisada à parte. Bento não pode, porque isso seria ofender a Marinha. Bolsonaro não pode, porque ele é o presidente. E o que fazer com o Centrão, que quer aquele ministério e fica pressionando, sem contar Davi Alcolumbre, o provinciano e deslumbrado presidente do Senado Federal, cujo irmão é candidato a prefeito de Macapá?
Coitado do Jair Bolsonaro. É muito problema. O presidente da República vive imerso em um mundo fictício, dominado por teorias da conspiração e manias de perseguição. Mas ele é um homem simples e é provável que, em momentos de agonia e dúvidas como este, ele gostaria talvez de estar apenas sentado na sombra de uma bananeira, no Vale do Ribeira, em São Paulo. De botina e chapéu de palha, descascando uma nanica e pensando em o quanto é complexa a vida de um presidente da República.