CCEE preocupada com forte migração
Maurício Corrêa, do Rio de Janeiro —
Alguma coisa incomoda o presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), Rui Altieri. E, pelos números apresentados por ele, nesta quarta-feira, 18 de maio, na abertura do Enase, no Rio de Janeiro, a sua preocupação principal reside na forma como está ocorrendo uma intensa migração de consumidores cativos das distribuidoras para o mercado livre, dentro da faixa que se denomina “consumidores especiais”.
Em 1998, quando essa categoria foi criada, chegou-se a 194 consumidores especiais no final do exercício. Em 2012, eles já eram 405 e, ao final do ano passado, já alcançavam 1.203, sendo que a estimativa para o fim deste ano é de 1.449 agentes. Além disso, com os processos já abertos na CCEE, é possível registrar um total de 2.471 consumidores especiais.
Segundo Rui Altieri, a Câmara está atenta a essa explosão na conversão de consumidores para especiais, aproveitando os preços com desconto oferecidos pela energia incentivada (produzida por fontes renováveis). Entretanto, da forma como vem ocorrendo isso tem provocado enorme aumento das demandas operacionais, perda de produtividade e de aumentos de custos, afetando as atividades da CCEE.
Tem outra coisa: os comercializadores sempre insistiram com a CCEE e a Aneel para que fossem autorizados os comercializadores varejistas, que, na visão do mercado, colocariam sobre o mesmo guarda-chuva várias empresas, facilitando o trabalho burocrático de todo mundo, principalmente a representação desses agentes perante a CCEE. Entretanto, para surpresa geral, Altieri revelou, hoje, que apenas quatro processos de habilitação de comercializador varejista foram abertos na CCEE, gerando um estresse na Câmara que ninguém esperava.
Ele levantou no Enase uma pergunta pertinente: haverá energia incentivada suficiente para atender toda essa demanda? Na sua visão, sim. Haveria uma disponibilidade de 744 MWmédios de garantia física de energia incentivada, o que bate com o número de 750 MWmédios calculado por Alexandre Lopes, diretor técnico da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel).
Para o presidente do Conselho da CCEE, o impacto também pode ser absorvido pelas distribuidoras, que teriam uma perda média de apenas 1% do consumo. Não chega a ser um deus-nos-acuda, mas mesmo assim a CCEE tem monitorado o nível de contratação das distribuidoras e alertado as instituições do setor sobre a questão.
Considerando a carga de energia estimada para o período 2016-2000, a CCEE estima que as distribuidoras terão uma contratação da ordem de 110,9%. Em 2017, seria de 108,3%. De qualquer forma, é um número para se ficar atento.
Rui Altieri também apresentou números sobre o consumo de energia elétrica, que, no ano passado, teve uma ligeira queda, de apenas 0,6%, depois de crescimento de 2,3% em 2014, de 2,9% em 2013 e de 3,7% em 2012.
Vendo sob o prisma do mercado regulado, em quatro anos o mercado cresceu 12,3%, da seguinte forma: 0,8% em 2015, 4,8% em 2014, 2,5% em 2013 e 3,7% em 2012. Entretanto, o consumo foi puxado para baixo pelo desempenho do mercado livre. Apesar do aumento expressivo de consumidores no ACL, o fato é que, com a crise econômica, o mercado livre deu alguns passos para trás. Caiu 4,9% em 2015 e 4,4% em 2014, depois de expansão de 4% em 2013 e 2012.
Altieri também está preocupado com a intensa judicialização que se verifica no mercado de energia, que decorre basicamente do excesso de intervenção do próprio governo. As empresas tentam se proteger recorrendo à Justiça. Ele foi curto e grosso ao indicar a única solução possível para se encontrar uma alternativa ao excesso de judicialização: diálogo, diálogo, diálogo, diálogo e diálogo.
Assim mesmo: cinco vezes a palavra diálogo, tentando antecipar possíveis problemas enquanto eles são pequenos, para evitar que se transformem em grandes dificuldades que só possam ser resolvidos mediante decisão judicial.
O diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, pensa da mesma forma que Rui Altieri. Em sua apresentação, ele abordou com clareza a questão da judicialização, sem esconder o que pensa. Disse que nesta quinta-feira, em Brasília, terá uma reunião com o próprio Altieri, para tratar do assunto e lançou desde já um desafio aos agentes: retirar as ações na Justiça, pois, caso contrário, os órgãos institucionais não terão condições para continuar a trabalhar.
Ele defendeu o recurso à Justiça, mas argumentou que os administradores das empresas e das associações empresariais não podem delegar as suas tarefas aos advogados. Fez um mea culpa em nome da agência reguladora, porém disse que “todos devem contribuir” para destravar o mercado, limpando-o de dezenas de ações judiciais que dificultam as atividades das autoridades e dos próprios agentes.