MP da Eletrobras é “fake news”?
Seis partidos de Oposição (PT, PSB, PCdoB, PDT, PSol e Rede) oficializaram um pedido junto ao presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco, para que a MP que permite a desestatização da Eletrobras seja devolvida ao Poder Executivo.
Trata-se de uma iniciativa coerente com partidos de Oposição, que são ideologicamente contrários à privatização de qualquer coisa.
Mas, pensando um pouco mais sobre o assunto, foi uma iniciativa desnecessária. Na prática, o presidente Jair Bolsonaro não tem qualquer interesse efetivo em privatizar o Sistema Eletrobras. De verdade, ninguém acredita nisso, embora os meios de comunicação, inclusive este site, tenham aberto muitos espaços para o encaminhamento da MP. Era necessário registrar o fato.
É relativamente fácil explicar as dificuldades pelas quais passará um eventual processo de desestatização da Eletrobras.
Vale lembrar que o assunto entra e sai da agenda dos diversos governos desde o final dos anos 90. O presidente Fernando Henrique Cardoso foi escandalosamente sabotado pelo então PFL (hoje DEM), que era um dos baluartes da sua base de apoio partidário. Na época, o PFL se aliou ao PT para impedir a privatização da Eletrobras.
Depois vieram os governos do PT e a questão naturalmente foi engavetada. Mas o presidente Michel Temer decidiu retomar a pauta e o assunto foi à frente. Quando deixou o Governo, uma das heranças de Temer foi uma proposta prontinha de venda da Eletrobras à iniciativa privada, que é algo em que o MME avançou tecnicamente, mas esbarrou no apoio à proposta dentro do Congresso. O Centrão já movia os pauzinhos para travar a questão.
O presidente Jair Bolsonaro se elegeu com base em uma proposta liberal na economia, que visava à privatização. Há dois anos, o assunto “Eletrobras” foi tocado de forma totalmente burocrática por Bolsonaro. De repente, ele caminha até o Congresso e entrega em mãos uma MP que é apenas ligeiramente diferente das propostas que já tramitavam no Legislativo. Por que de repente o assunto ficou importante?
Aqueles que acompanham o assunto profissionalmente entendem que o discurso bolsonarista para vender o controle societário da Eletrobras não tem seriedade. Lembram que, na segunda-feira, dia 22 de fevereiro, a Petrobras e a Eletrobras somavam perdas de valor de mercado superiores a R$ 100 bilhões.
Embora já tenha ocorrido uma ligeira recuperação nas bolsas, o fato concreto é que as perdas, principalmente em relação à Petrobras, foram extraordinárias. A Petrobras, de um dia para o outro, perdeu ¼ do seu valor de mercado, o que representa muita coisa. As perdas foram simplesmente gigantescas, prejudicando a imagem do próprio presidente.
Nesse contexto, o presidente da República precisava fazer alguma coisa para compensar a sua desastrada forma de demitir o presidente executivo da Petrobras. A privatização da Eletrobras era a carta mais fácil para se colocar na mesa.
A MP que permite a desestatização da Eletrobras autoriza o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a realizar estudos que levem a esse objetivo. Isso não fica pronto no atual exercício. Aí, quando o BNDES apresentar a sua proposta de venda do controle acionário da empresa, já estaremos em 2022. E 2022, bem … será um ano eleitoral. Talvez não seja conveniente mexer nesse assunto. Melhor dar uma enrolada.
Por enquanto, estamos falando apenas de um eventual cronograma, pois sobre tudo isso paira a sombra do Centrão, que não gosta nadinha da privatização do Sistema Eletrobras.
O Centrão é integrado por partidos fisiológicos, que adoram cargos públicos para indicar apadrinhados. O que vão tirar daí, não se sabe, mas pode-se imaginar. É por isso que congressistas da região Norte não querem nem ouvir falar em privatização da Eletronorte, enquanto as bancadas nordestinas defendem com unhas e dentes uma Chesf sob controle público. Da mesma forma, políticos mineiros têm verdadeira paixão pelo controle governamental sobre a geradora Furnas. Privatizar essas estatais significa tirar um picolé da boca da criança, no caso o Centrão.
Como se isso não fosse suficiente, o presidente Bolsonaro nunca foi um defensor rigoroso da privatização. Ele se formou na mentalidade dos militares, que preferem ver as empresas e órgãos de infra-estrutura sob controle público, mesmo que sejam historicamente ineficientes e focos de corrupção. De modo geral, a visão que os militares têm da economia ainda é aquela que prevalecia no Governo Geisel, em que o Estado, através de empresas estatais, era o indutor do processo de desenvolvimento econômico.
Então, nesse contexto, a MP da Eletrobras é vista sob forte desconfiança. Várias fontes com as quais este site conversou são unânimes em apontar que o presidente Bolsonaro precisou dar uma resposta urgente ao mercado, para apagar o fiasco que começou na sexta-feira, dia 19, e atingiu fortemente tanto a Petrobras quanto a Eletrobras.
Até mesmo o encaminhamento de uma proposta semelhante para os Correios, logo depois, se enquadra nessa mesma ótica. Para essas fontes, o antigo Posto Ipiranga precisará fazer muito mais do que isso para recuperar a credibilidade em torno de sua prometida visão de economia liberal no atual governo.