Decisão sobre GD pode levar à judicialização
A Câmara deve debater na semana que vem um tema que levanta amor e ódio no setor elétrico: as regras para consumidores que produzem a própria energia, a chamada geração distribuída. De um lado, estão deputados que dizem ser contra “taxar o sol”, mas a reação surgiu e já há parlamentares que querem o fim do subsídio para os painéis fotovoltaicos e que consideram que o modelo atual “taxa o pobre”.
A revisão das normas para a geração distribuída se arrasta desde 2019, quando a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apresentou uma proposta para rever a resolução que criou um incentivo para o setor. Em 2015, o órgão regulador ampliou o alcance da medida e incluiu a modalidade de geração distribuída remota – as fazendas solares. Com o aumento do custo da energia bem acima da inflação nos últimos anos e os custos mais baixos dos equipamentos e do crédito, a geração distribuída atingiu crescimento exponencial.
A discussão, no entanto, foi interditada pelo presidente Jair Bolsonaro, que passou a defender publicamente que não houvesse cobrança de encargos para consumidores que geram a própria energia e enquadrou a diretoria da agência reguladora. Apesar de deter autonomia, a Aneel abandonou o problema que ela mesma criou e decidiu deixar a decisão para o Congresso.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou que o tema deve ser pautado em breve. A proposta que deve ser analisada pelos deputados, de Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), traz um período de transição de 25 anos para que haja mudanças de regras para quem que já possui geração distribuída, o que permitiria mais “previsibilidade e segurança jurídica”. Já para novos consumidores, os encargos seriam cobrados ao longo de dez anos. O texto é semelhante à primeira proposta apresentada pela Aneel , que foi considerada muito tímida por especialistas.
Contra
Pela primeira vez, no entanto, lideranças da Câmara se posicionaram publicamente contra o projeto – entre elas o vice-presidente da Casa, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), e o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ramos afirmou ser “contra taxar o pobre para pagar a energia de rico” – isso porque a instalação de painéis solares exige um alto investimento, além de espaço, seja um telhado, seja um terreno. “Não é justo que o usuário que não tem geração distribuída subsidie a conta de quem tem. Isso é uma aberração, é um ‘Robin Hood’ às avessas com um discurso falso e mentiroso de taxar o sol”, afirmou. Ramos diz ser um entusiasta da energia limpa, mas reitera que qualquer subsídio deve ser pago com recursos da União.
“Energia solar é bom e devemos investir nisso, mas não às custas da classe média e dos mais pobres “, afirmou o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “Esse projeto concentra ainda mais os subsídios nas mãos dos mais ricos. Para mim, não tem problema se o governo quiser subsidiar, desde que isso seja transparente e esteja no Orçamento. Mas no Brasil os subsídios são escondidos para não mostrar que os ricos recebem.”
No mundo, especialistas citam que estados norte-americanos como Nova York, Califórnia, e países como Espanha e Austrália já cobram taxas pelo uso da rede para reduzir o subsídio cruzado. Eles também estão aperfeiçoando os mecanismos já existentes que valorizam o excedente da produção deste tipo de energia no momento que ela ocorre. Segundo eles, isso abre espaço para que se estimule a entrada de baterias no sistema de geração, uma vez que hoje a rede da distribuidora é usada de graça como se fosse uma “bateria”.
A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) também é contrária à manutenção dos subsídios ao setor. A Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) argumenta que o crescimento da geração de energia pelos consumidores até 2035 deve gerar um benefício líquido de R$ 50 bilhões. “O marco legal é relevante, pois vai trazer segurança jurídica, previsibilidade e estabilidade para os consumidores. Cria um mecanismo que permite aos consumidores que estavam participando do sistema ter suas regras mantidas antes de qualquer mudança, o que é fundamental, pois há contratos de longo prazo assinados”, afirmou o presidente da Absolar, Rodrigo Sauaia. Ele avalia que uma proposta com um menor prazo de transição ou que afete os contratos de forma retroativa poderia gerar uma onda de judicialização no setor, como em outros países
Por sua vez, a perspectiva das distribuidoras é a de que a manutenção dos benefícios vai gerar um custo bilionário em subsídios cruzados. “Não faz sentido permanecer com subsídio por 25 anos, como está no projeto de lei do deputado Lafayette de Andrada. A proposta amplia ainda mais o benefício, que já deveria ter terminado em 2019”, afirmou o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira.
Caso o projeto de Andrada seja aprovado da forma como está, o impacto na conta de luz nos próximos 30 anos será de pelo menos R$ 135 bilhões em subsídios acumulados, estimam as consultorias PSR e SiglaSul. Em valores nominais, o valor chegaria a cerca de R$ 500 bilhões até 2050, sem contar os impostos. O montante equivale a quatro anos do Bolsa Família para 15 milhões de brasileiros ou valor suficiente para pagar um auxílio emergencial de R$ 258 para 46 milhões por três anos.
Para o deputado Édio Lopes (PL-RR), presidente da Comissão de Minas e Energia da Câmara, “a energia solar tem grandes vantagens das quais não podemos abrir mão e temos que incentivar”. Mas, de acordo com o parlamentar, hoje esse tipo de energia é economicamente autossuficiente.
Segundo o parlamentar, hoje, o mundo está retirando subsídios que foram dados para que ela se desenvolvesse. “Quando Aneel editou a resolução em 2012 (que prevê os subsídios atuais) fez-se um trabalho espetacular. Com as regras, apareceram investimentos, tecnologias. Mas hoje a energia solar é auto rentável. Onde está a nossa discordância: é que o pobre, o baixa renda, continua absolutamente fora desse benefício. Ele é quem está pagando a conta do incentivo desse setor. Não podemos fazer isso.”
O relator, Lafayette, se diz tranquilo: “Existe oposição ao projeto, nenhum projeto que é aprovado na Câmara é por unanimidade. Mas percebemos uma ampla maioria favorável ao projeto.”