Momento de sentar à mesa
Ricardo Lima (*)
Impossível neste momento esquecer que vivemos uma crise no setor elétrico – pode-se mesmo falar que “nunca antes na história deste país” se viu uma crise desta envergadura. Mas a crise é setorial? Certamente não.
Crise do quê, então?
Crise hídrica, no setor elétrico e também no abastecimento de água. Crise econômico-financeira, no país e, porque não, nas famílias. Crise fiscal, da previdência, crise institucional, de lideranças (de falta delas, na política, no meio empresarial, judiciário, etc , etc…). Podemos continuar a lista, citando educação, saúde (dengue, por exemplo), e o que mais a imaginação ou o conhecimento alcançar.
Mas, o que choca, e sobretudo, entristece, é a Crise de Falta de Diálogo. Isto leva à busca no Judiciário de direitos existentes ou alegadamente não reconhecidos. No caso mais recente, leva até à completa paralisia do mercado, fato este que infelizmente já vivemos no início da década passada, mesmo sem que tenha havido a interferência do Judiciário.
Existe ainda uma crise, quase oculta, que é provocada pelos agentes que se aferram a seus “pequenos mundinhos” de conquistas – vide modelo já ultrapassado e desgastado da comercialização de energia, por exemplo. E este já foi mais progressista e evoluído no passado. Os agentes resistem à modernização, se agarrando apenas a um discurso de abertura de mercado, como se isso fosse a cura de todos os males que o setor passa.
A hora é de pensar grande e de ousar.
A crise é de todos nós – consumidores, geradores, distribuidores, transmissores, comercializadores, investidores, acionistas institucionais, individuais e privados, financiadores.
A hora é de buscar saídas. Onde? Como?
A hora é de união, deixar as “armas” fora da sala. De retomar a confiança nos parceiros e concorrentes. Falar sem ter medo de segundas interpretações. Esquecer as mágoas do passado.
Ousar, insisto, deve ser a palavra de ordem. Deixar as velhas crenças, abandonar os preconceitos. Abrir as mentes. E os corações.
Estamos todos perdendo, sem exceção. O “meu” queijo pode apodrecer e mofar. Os ganhos e perdas recentes, ou do passado, não podem ditar o futuro a ser criado.
Buscar um setor, uma indústria elétrica, de verdade, eficiente, um novo paradigma.
Uma indústria aberta, sem medo da competição, buscando apenas ganhar minha pequena margem, mas, sim tomando riscos, calculados, precificados, com mecanismos de hedge, de proteção, com regras claras, estáveis. Uma regulação que não mude a toda hora. Uma indústria elétrica que avance, que seja inovadora, eficiente, competitiva, que dê lugar aos mais eficientes e não aos “espertos” de plantão.
Apenas para dar um exemplo, vale lembrar que, em fevereiro de 2000, a falecida Asmae teve, numa visão ousada para a época, uma iniciativa extraordinária. Trouxe para o Brasil um especialista americano para ministrar um curso de duas semanas em derivativos e opções de energia elétrica. Apostava-se no desenvolvimento do mercado. E o que se vê hoje? Centenas de operações com spread (positivo na maioria das vezes, mas negativo, quando surge o fantasma da inadimplência no mercado) sobre o PLD. PLD aliás, que nem preço de mercado é!
Onde foi parar o desenvolvimento do mercado? Não se pode culpar apenas a revisão do modelo. A culpa também é de todos nós, agentes do mercado, que muitas vezes reagimos e resistimos à mudança do status quo.
É hora de avançar. De abandonar as velhas roupas, os velhos hábitos (nos dois sentidos). De questionar velhos e usados conceitos.
É hora de não termos medo de fazer perguntas. TODAS as perguntas. Exemplos não faltam: o MRE ainda tem sentido? A distribuição pode ser separada em fio e comercialização? Distribuidora pode comercializar no mercado livre? Pode comprar livremente? Tem sentido falar em gerador virtual? Há limites para revisar a energia assegurada? E esta forma de calcular a energia assegurada, continua a fazer sentido? O “tight pool” deve continuar? E o preço de mercado, tem que ser por modelo matemático?
A lista pode continuar quase que indefinidamente. Sem censura e sem julgamento de valor. Não atirem pedras, vamos dialogar.
Necessitamos reduzir drasticamente a judicialização. Amigos advogados (e são muitos), não se revoltem, há muita necessidade de seus conselhos e de seu conhecimento.
Como reduzir a judicialização? No Peru, por exemplo, existe uma Corte setorial de arbitragem, com especialistas de inegável conhecimento e reputação inatacável, que decide, ex-judiciário, as questões setoriais. Por que não adotar isso? Porque continuar a pensar e agir da mesma maneira?
O que é necessário é buscarmos um caminho para sair dessa crise. Todos somos vítimas dela.
Vamos sair de nossas caixas e abrir um amplo, franco e aberto diálogo. Ou seria melhor “multiálogo”. Com todas as divergências, mas em busca de uma indústria elétrica sustentável, eficiente e competitiva. Permitindo ao país, aos investidores, à sociedade um futuro menos tumultuado, de oportunidades, de ganhos e de riscos administráveis. Onde nossa economia possa retomar o rumo do desenvolvimento, sem que isso signifique partidarizar o debate.
Sem mágoas ….
(*) Ricardo Lima é consultor e sócio diretor da Tempo Presente Consultoria