Especialista sugere mudanças no modelo
Maurício Corrêa, de Brasília —
Comentários feitos pelo professor Luciano de Castro, durante um encontro virtual com associados da Abraceel, na última sexta-feira, dia 14 de maio, se alastraram como rastilho de pólvora entre especialistas do setor elétrico brasileiro e está deixando muita gente com o cabelo em pé.
Luciano de Castro não é um zé mané qualquer. Muito próximo dos comercializadores há vários anos, ele é bastante respeitado no SEB. Professor do Instituto de Matemática Pura e Aplicada e do Departamento de Economia da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, ele entende que no setor elétrico tem muito cacique e pouco índio (interpretação livre deste site), ou seja, tem muita gente mandando e é por isso que fica tudo travado e nada vai para a frente.
Além de suas credenciais técnicas, Luciano de Castro tem fortes conexões políticas. Mantém vínculos com o ministro Paulo Guedes, da Economia, e, logo que o presidente Jair Bolsonaro foi eleito, em novembro de 2018, ele foi citado como o especialista que faria a transição, em nome do presidente, na área de energia. Inclusive em alguns momentos chegou a ser cotado para futuro ministro de Minas e Energia, tendo participado de reuniões da equipe de transição, no prédio do CCBB, em Brasília.
A conversa com os associados da Abraceel girou em torno do tema da governança setorial, da qual Castro tem sido um crítico. Só que agora ele pisou no acelerador e falou em alguns tons mais altos do que aqueles habitualmente ouvidos no Brasil.
Sugeriu, por exemplo, até mesmo a extinção do Ministério de Minas e Energia e da EPE, além da fusão de órgãos vinculados: Aneel e ANP (mais ANM) e ONS e CCEE. Aliás, o site “Paranoá Energia” tem pregado no deserto, no últimos anos, ao sugerir a fusão dos órgãos vinculados, pois é evidente que eles em muitos casos fazem trabalhos similares e contribuem enormemente para inflacionar os custos do SEB, que, afinal, são bancados pelos contribuintes.
Segundo um relatório preparado pela Abraceel e distribuído na sexta-feira passada, ao qual o “Paranoá Energia” teve acesso, “Luciano de Castro disse que há entidades demais com autoridade e influência no SEB, o que leva à inércia das decisões, dado que as decisões necessárias não são tomadas, as inovações são bloqueadas e é crescente o número de agentes que buscam benefícios individuais, a custo do conjunto”.
“Em síntese, sugeriu como caminho para melhorar essa assimetria a redução do papel do Estado, a reformulação e redução das instituições do setor e a autorregulação como meio de promoção de eficiência de mercado”, diz o relatório, mencionando as declarações de Luciano de Castro.
Citando o especialista da Universidade de Iowa, a Abraceel assinala que ele mencionou “que são mais de nove entidades do setor elétrico que estão à frente do processo de tomada de decisão e pelo menos mais quatro entidades que são de fora do setor que influenciam diretamente nas decisões. Outro problema de governança facilmente identificado é a superposição de responsabilidades entre os órgãos do setor e a interposição de interesses políticos a essas responsabilidades”.
“Em complemento, os conflitos de interesses entre os agentes são extremamente frequentes e são significativos. Disse que, como há diversas instâncias decisórias, não há razão para que os agentes aceitem qualquer decisão que considerem desfavoráveis. Sendo assim, as disputas não são resolvidas, mas judicializadas, tornando muito difícil realizar qualquer alteração ou aperfeiçoamento no setor e quem acaba pagando a conta é o consumidor brasileiro”.
Luciano de Castro, segundo a Abraceel, tem uma receita para mudar radicalmente a atual situação: é preciso reduzir o poder e o papel do Estado no SEB, dado que a livre iniciativa consegue resolver melhor vários dos problemas existentes.
“Em sua visão, é preciso reduzir os órgãos do setor, sugerindo a fusão da CCEE e do ONS, principalmente porque o despacho deve ser estimulado pelos preços. Sugere também a extinção da EPE e do MME, que teriam suas funções absorvidas por esse novo ONS e pelo Ministério da Economia, respectivamente. Sugere ainda que se funda a Aneel, ANP e ANM em uma única agência reguladora”.
Sobre esse novo ONS, devidamente turbinado, a associação, referindo-se à opinião de Castro, destacou que ele recomenda a formação de um novo conselho, com participação reduzida do governo, para tomar as decisões colegiadas dos agentes do setor.
“Ao ser questionado porque é mais fácil negociar diretamente entre os agentes do que através de meios políticos, respondeu que o mercado já é um meio de resolver conflitos de interesse, visto que se o consumidor não está satisfeito com um produtor, basta buscar outro. Sendo assim, o que tem que ser garantido é a livre entrada de todos os lados, de todos os tipos de agentes”, diz o relatório da associação dos comercializadores.
“Luciano reconheceu que é difícil mudar todo o cenário do setor elétrico, visto que a organização atual favorece o status quo. Mudanças são muito difíceis, especialmente as desejáveis. Disse que primeiramente o dever de casa é convencer e gerar apoio a essa ideia. Finalizou provocando a Abraceel para tomar a liderança do processo de mudança do SEB, difundindo essas ideias e apontando a direção a seguir”, salienta o relatório da Abraceel.
Especialistas consultados pelo site, comentaram que as premissas básicas dos argumentos de Luciano de Castro são corretas. De fato, o SEB tem custos elevadíssimos, que podem ser racionalizados em favor do consumidor. “O presidente da República há muito tempo já percebeu que a conta de luz é alta porque existem muitos custos embutidos, sendo que alguns são dispensáveis. Isso tudo vai para a conta de luz”, alertou um consultor.
Da mesma forma, existiriam problemas de natureza política, considerando que falta um ano e meio para as eleições e muita coisa, dentro da estrutura do MME, pode ser moeda de troca no campo congressual, apoio do Centrão, etc. Além disso, um eventual aumento das dificuldades de suprimento, devido à necessidade de serem tomadas medidas fortes para reduzir o consumo, em virtude da falta de água nos reservatórios, recomenda que não se faça mudanças profundas na estrutura do SEB, no momento. “Precisaremos da experiência atual para passar esse momento difícil, se for o caso. Precisaremos desse time que está aí. Mesmo que seja caro e ineficiente. Não seria a hora de mudar nada. É o que manda a moderação”, ponderou uma fonte.