O encontro entre Bento e Parente
Em 2001, totalmente perdidas em relação ao que fazer se fosse necessário adotar um racionamento de energia, autoridades do setor elétrico solicitaram ao consultor Mário Menel (atual presidente da Abiape e coordenador do Fórum das Associações do Setor Elétrico – Fase) que emprestasse os cinco volumes do relatório sobre um racionamento anterior, ocorrido no final dos anos 80. Menel era o único possuidor dos enormes livros de capa branca, em Brasília, e que ainda enfeitam o seu escritório.
Nesta segunda-feira, 31 de maio, quando o País aparentemente caminha em direção a restrições no uso da energia elétrica, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, tomou uma atitude que, na essência, tem o mesmo significado. Albuquerque se reuniu, em São Paulo, com Pedro Parente, que, nos idos de 2001, conduziu com mão de ferro e enorme sucesso a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica. Conhecer a experiência de Parente, neste momento, seguramente é uma medida prudente e elogiável.
Segundo um assessor do ministro de Minas e Energia, “a pauta da reunião foi a conjuntura hidrológica atual e o fornecimento de energia em 2021”. Para quem não conhece a história ou ainda usava fraldas, o racionamento de 2001 foi resultado de uma enorme incompetência do governo do PSDB, mas a gestão da falta de energia elétrica, sob a regência de Parente, foi um grande sucesso, um dos maiores que a administração pública já ofereceu neste País.
Visto sob o ângulo das relações civilizadas entre pessoas, o encontro entre Bento Albuquerque e Pedro Parente merece aplausos. Afinal, não se pode esquecer que vivemos em uma República cujo presidente gosta imensamente de falar palavrões em público ou humilhar pessoas que não pertencem ao grupinho dos seus chamados apoiadores. Enfim, depois de tanto tempo de governo está mais do que claro que o presidente não conhece muito daquilo que o ex-presidente José Sarney sempre chamou de “liturgia do cargo”. Em outras palavras, não tem aquilo que se costuma simplesmente chamar de educação. Bento mostrou que é um homem público civilizado.
Hoje, Parente está na iniciativa privada e sabidamente afastado da vida política, desde o primeiro momento em que deixou de ser ministro, no final do Governo FHC. De qualquer forma, não se pode apagar a História e, portanto, é preciso lembrar que Parente foi um ministro ultra-competente de um governo do PSDB, partido pelo qual o atual presidente não demonstra um pingo de apreço ou respeito. Embora seja recíproco, é preciso reconhecer.
Entretanto, por menos que tenha sido a sua intenção, o fato indiscutível é que a atitude do ministro Bento Albuquerque, civilizada e normal em qualquer outro tipo de governo, tem um viés político e está sendo interpretada como um reconhecimento de que a coisa está feia em relação ao abastecimento futuro de energia elétrica. E que é possível, sim, esperar por dias piores.
Caso contrário, Albuquerque não teria corrido todo o risco político que está correndo, por ser ministro de um presidente emocionalmente instável, pelo simples fato de ter discutido o momento atual do setor elétrico com o homem que conduziu o racionamento de 2001, durante um governo do PSDB. E que foi ministro poderoso de FHC.
Essa discussão está apenas começando. Mas como ninguém se deixa enganar pelo que o governo diz ou pensa, as pessoas já começam a fazer contas baseadas em hipóteses diversas. Tipo: se houver restrições no uso da energia elétrica, que setores sofrerão mais? Qual será o impacto na inflação se o governo precisar usar a energia mais cara das usinas térmicas? E o que acontecerá com o pobre do consumidor, que vai pagar mais caro na conta de luz, lembrando que ele também é um eleitor que colocará o seu votinho na urna eletrônica em 2022?
São perguntas que começam a surgir. E muitas outras virão.