De lobbies e jabutis
Terminou a fase de tramitação da MP no Senado Federal, com aprovação pelo plenário. Como houve alteração no texto aprovado pelos senadores, a matéria voltou à Câmara dos Deputados, onde será batido o martelo em torno do assunto. Está na hora de colocar um pouco de racionalidade nessa confusão.
A MP acabou se tornando algo mais emocional do que qualquer outro tema discutido no Congresso nos últimos tempos, embora não seja uma coisa que toque diretamente no coração da cidadania ou dos eleitores. Falar sobre mudanças no setor elétrico normalmente é um assunto um tanto árido, que não interessa muito às pessoas comuns. Interessa, sim, aos lobbies.
Nesta questão, aliás, o que não faltou foi lobby empresarial. De tudo quanto é lado e para todos os gostos. Este site considera os lobbies legítimos. Entretanto, é preciso considerar também que existem limites à atuação dos lobbies. Um executivo desqualificado de uma associação empresarial do SEB procurou este editor para reclamar em tom pouco educado que o site não deu bola para a sua opinião a respeito da MP da Eletrobras. Ao que parece, editar ainda é critério de editor e não de executivos sem educação. Esse senhor recebeu a única resposta que lhe cabia, ou seja, ir plantar batatas, para não dizer outra coisa de baixo nível.
Nos últimos dias, o contexto em torno da MP da Eletrobras foi literalmente invadido por números os mais fantasiosos possíveis. Que os tais “jabutis” embutidos na proposta que seria votada no Senado teriam um impacto no bolso dos consumidores que variava incrivelmente de R$ 15 bilhões a R$ 84 bilhões. Alguém errou a conta ou então era má-fé.
Nesse processo, foi impossível ficar totalmente alheio às manifestações dos lobbies empresariais. De qualquer forma, este site preferiu manter uma certa distância e deixar o pau comer.
Este editor sabe como o jogo funciona, pois já trabalhou durante anos nesse negócio. Nas associações empresariais, os respectivos conselhos de administração fixam as metas a serem cumpridas pelas diretorias executivas. Estas são remuneradas de duas formas: um valor fixo e um valor variável. Este depende do cumprimento das metas.
Então, é fácil compreender que um assunto quente como a tramitação de uma MP desse tipo no Senado, que mexe profundamente com interesses empresariais, no final fala a linguagem do dinheiro. E não é pouca coisa. Aquilo que é vendido ao público como de forte interesse dos consumidores de energia elétrica, às vezes não passa de forte interesse de algumas empresas ou então de alguns executivos (das empresas e das associações). Pode-se estar apenas de olho na bonificação que se vai ganhar ou deixar de ganhar no final do processo. Assim é o jogo.
No Senado, o jogo é mais fácil para todo mundo, pois são apenas 81 congressistas. Na Câmara, entretanto, muda-se a configuração, pois são 513 deputados federais. E, na Câmara, quem dá as cartas é o Centrão, um forte aliado do governo no momento. Este site não tem preferência, mas jornalisticamente falando ao que tudo indica o governo vai levar esta.
Por falar em governo, este site gostaria ainda de acrescentar umas linhas nesta opinião. O “Paranoá Energia” em alguns momentos se manifesta de forma ácida em relação ao governo ou ao Ministério de Minas e Energia, por questões nem sempre relacionadas com a área de energia. Uma delas é a militarização do MME, empreendida pelo ministro Bento Albuquerque, que fez na sua pasta o mesmo que o general Pazuello fez na Saúde. Encheu aquela estrutura de militares, principalmente colegas fardados da Marinha. Uma atitude decepcionante, mas que não é exclusiva dele e se repete em todos os segmentos do atual governo, embora não tenha sido para isso que tenha sido eleito.
Contudo, especificamente em relação à desestatização da Eletrobras, este site — que apoia a iniciativa — faz um necessário reconhecimento ao trabalho do Governo. Durante anos, a sociedade esclarecida do País vem clamando pela privatização da Eletrobras. O próprio presidente Bolsonaro, que prometeu privatizar durante a campanha, ficou fazendo corpo mole grande parte do tempo.
Enfim, pressionado pela sociedade, tomou a iniciativa de trabalhar pela privatização da holding federal do sistema elétrico, algo em que este editor não acreditava. O editor obviamente errou e a matéria ao que tudo indica estará sendo aprovada na Câmara dos Deputados, na próxima semana, para, enfim, receber a assinatura presidencial.
A MP acabou gerando uma espécie de subproduto, na forma de uma minirreforma do SEB. A presente crise hídrica mostra que o sistema elétrico brasileiro precisa, sim, de térmicas que possam gerar energia firme, independentemente da boa vontade de São Pedro, do sol ou dos ventos. Uma economia enorme e sofisticada como a brasileira não pode ficar na dependência permanente de fatores climáticos.
Além disso, este site apoia a utilização de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH´s), que foram criminalizadas injustamente durante anos e anos e só agora, através da MP, recuperam a atenção que merecem por parte do Poder Público. Desde que obedecida a legislação ambiental e havendo disponibilidade de recursos hídricos, as PCH´s são novamente bem-vindas.
Nesse assunto, a se registrar ainda a estranha aliança entre a esquerda (que filosoficamente é contra a privatização de qualquer coisa) e os setores empresariais que se consideravam contrariados durante a tramitação no Senado. Esses setores se uniram e trabalharam arduamente para torpedear a proposta de privatização no Senado.
Embora com atores diferentes, lembrou a ópera dos anos do presidente FHC, que tentou privatizar a Eletrobras e não conseguiu, devido à coalizão entre o antigo PFL (hoje DEM) e o PT, que se uniram para defender os respectivos feudos. Agora também é um momento igualmente a se esquecer, de tão lamentável.