Crise hídrica ou crise do Governo?
Embora seja algo que somente se perceba nos bastidores, em conversas pontuadas por rigoroso off, o fato é que a macrocrise que envolve a alta cúpula do Governo também tem uma vertente dentro do Ministério de Minas e Energia.
Não dá nem para falar em inferno astral para o presidente Jair Bolsonaro, pois a crise é muito maior do que o inferno.
O presidente é um político que não tem exatamente o perfil de um regente de orquestra, que sabe equilibrar as cordas, os metais e a percussão. Pelo contrário, é alguém que só sabe bater o bumbo e se sente bem no estresse.
Seu chefe da Casa Civil é um general da reserva, cuja experiência política é zero e está mais para um bom companheiro para passear de motocicleta nas manhãs de sábado. Os filhos do presidente acompanham o pai e também gostam do conflito. O “Posto Ipiranga” perdeu quase que totalmente a credibilidade. O Ônix, coitado, é apenas o Ônix e ninguém o leva verdadeiramente a sério. O ministro da Defesa já mostrou que gosta de bravatas e ameaças.
Nesse contexto palaciano, não sobra muita gente em posto de comando com equilíbrio suficiente para gerenciar um momento difícil da agenda presidencial. O exemplo claro é a base governista na CPI do Covid, que não sabe em que direção atirar para livrar a cara do presidente. Falta orientação adequada aos congressistas da base de apoio ao presidente dentro da CPI. Seria o papel do chefe da Casa Civil, mas a pergunta que se faz é “onde está o general Ramos”?
É sem dúvida uma agenda pesada. Além da própria CPI do Covid e de um passivo que aumenta a cada dia e já está próximo de 540 mil mortos pela pandemia, a agenda governamental ainda conta com a espiral inflacionária e uma queda brutal na popularidade do presidente. Se a eleição fosse hoje ele estaria irremediavelmente batido nas urnas, numa tentativa de reeleição, apesar da truculência habitual, do mimimi de fraude e outras bobagens desse gênero.
Não se pode esquecer que, na área do MME, ainda tem o pesadelo de uma crise hídrica para contribuir com a agenda negativa e tirar o humor do presidente da República. Tudo isso torna o papel do MME altamente estressante neste momento, pois, na verdade, ainda estamos apenas tangenciando uma crise hídrica. Ela ainda não chegou com força.
Este editor tem conversado com algumas pessoas, de diversas áreas, e o que é possível observar é o nervosismo. Tem gente absolutamente estressada na praça, seja no MME, na Aneel ou no ONS. Se uma crise de energia elétrica já é estressante e angustiante numa situação singular, pode-se imaginar como ela se torna preocupante na medida em que estamos caminhando para uma campanha presidencial e em um contexto que o atual presidente “só pensa naquilo”. Haja Prozac.
O Governo, por exemplo, vem falando numa redução voluntária da demanda por parte dos grandes consumidores industriais de energia elétrica. Caramba. Reduzir o consumo justamente agora, quando se começa a ensaiar uma retomada da economia? É uma situação que torna muito difícil para os executivos que estão aqui no Brasil explicar aos seus chefes, na matriz, na Europa, nos Estados Unidos ou na Ásia.
O caos, se pensarmos bem, já está instalado, embora em alguns casos nem tenha relação direta com o Brasil. É o que se passa na indústria automobilística, que deixa de vender horrores por falta de peças produzidas na Ásia. A pandemia também desorganizou as cadeias de produção.
Só que isso já desliza para outros setores da economia. Não estamos falando apenas do carro de passeio para passear com a família na praia ou levar a madame para jantar no sábado à noite. Também existe aquela cara e sofisticada máquina agrícola, que vai ser utilizada no agronegócio, mas que não pode ser entregue ao produtor rural porque não tem peça.
Nesse contexto macroeconômico, sobra a crise hídrica. A bancada mineira, que é um dos baluartes do apoio ao Governo no Congresso, praticamente rompeu com Bolsonaro por causa da redução do nível do reservatório de Furnas.
Não se pode esquecer que Furnas é um reservatório que produz energia elétrica, mas, também, alimenta muitas bocas e empresas que exploram o turismo (hotéis, pousadas, restaurantes) nas margens do imenso lago.
Com a crise, a tal da Creg (uma comissão criada no MME, uma espécie de KGB bem ao estilo soviético, que vai controlar o setor elétrico até o final do ano, quando se imagina a crise terá terminado) assumiu o comando e vai arbitrar para onde vai a água de Furnas (e dos demais reservatórios).
Enquanto isso, a Oposição, que adora ver o Governo sofrer, vai nadando de braçada à espera da faixa. No ritmo atual, não tem escapatória e a pergunta que se faz é: Bolsonaro vai ter a dignidade de passar a faixa ao seu sucessor ou vai sair pela porta dos fundos do Palácio, cuspindo fogo, como fez o general Figueiredo em 1985, deixando a faixa abandonada em cima da mesa?