A crise hídrica acabou?
A crise hídrica acabou? Dentro do Governo, algumas pessoas gostam de dizer que sim. Não é moleza tocar um projeto político com o preço da energia elétrica nas alturas, turbinado pelo uso intensivo de todas as usinas térmicas do País. É verdade que no período em que faltou água nos reservatórios, não faltou energia elétrica para os consumidores. Mas esse conforto tem preço.
O fato é que os preços pagos pela energia elétrica têm sido astronômicos e o Governo quer logo decretar o fim da crise hídrica, pois preço elevado de energia significa inflação alta. Em ano eleitoral, como será 2022, essa não é uma combinação que agrega eleitores. Ao contrário, beneficia candidatos da oposição, pois a inflação alta se converte facilmente em votos para adversários políticos. E o que não está faltando é gente de olho grande no cargo de Jair Bolsonaro.
Embora os impactos macroeconômicos dos preços altos da energia elétrica sejam mais do que conhecidos, talvez não seja a hora, ainda, de decretar o fim da crise hídrica. Na visão de especialistas do setor elétrico, o que se chama de crise hídrica, na realidade, é muito mais amplo do que o simples rebaixamento do volume de água num reservatório qualquer, o que pode ser corrigido por um bom período úmido subsequente.
Há técnicos que entendem que estamos ainda em plena crise hídrica, a pior em quase 100 anos, mesmo que alguns reservatórios tenham um pouco mais de água. Para decretar o fim da atual crise hídrica, seria necessário que os reservatórios ficassem com níveis de 60% de capacidade. Hoje na média se encontram com apenas 27%, o que mostra claramente como o Brasil ainda está relativamente distante do fim da crise hídrica.
No contexto atual, ainda seriam necessários de dois a três anos de muita chuva nos períodos úmidos, para que os reservatórios das hidrelétricas possam se recuperar. Além disso, precisaríamos utilizar por mais tempo a capacidade térmica, mesmo sendo mais cara, para economizar água nos reservatórios. Enfim, é um cenário em que a política não pode se intrometer para não criar problemas. Já vimos antes que a mistura perigosa de populismo com energia elétrica acaba gerando ineficiências e desastres econômicos.
Existe uma opinião mais ou menos unânime no setor elétrico. A economia brasileira apenas não colapsou porque, graças à pandemia, ela desceu a níveis baixíssimos e na realidade, por mais irônico que isso possa ser, foi o vírus que salvou o Brasil de não ter tido um novo racionamento.
A economia em recessão simplesmente segurou o consumo, por mais incrível que possa parecer. Enfim, um governo que tem tanta aversão à pandemia, deveria mandar rezar uma missa de ação de graças em homenagem ao corona vírus.
Os números atualizados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) revelam que as usinas do Sudeste e Centro-Oeste aos poucos recuperam a capacidade de armazenamento de água.
Furnas, por exemplo, está com 23,07%; Emborcação, 15,39%; Itumbiara, 21,46%; Três Marias, 41,15%; Munhoz, 51,33% (usina do rio Iguaçu, cuja bacia está em franca recuperação, da mesma forma que a bacia do rio Uruguai). No Nordeste, Itaparica tem 56,52% de água armazenada e Sobradinho 41,79%.
Técnicos que têm a responsabilidade de acompanhar essa área dizem que este é o momento do perigo. “Para os políticos, a crise hídrica já teria terminado e está na hora de encerrar as restrições e desligar térmicas, diminuindo os preços da conta de luz. Porém, é mais prudente esperar um pouco mais, dois ou três meses, verificar como as chuvas cairão até o final de fevereiro ou meados de março e só então ter uma melhor definição a respeito do volume de água nos reservatórios. Por enquanto, é prematuro pensar em fim da crise hídrica”, ponderou um especialista do setor.