Governo Temer enterra modelo do setor elétrico de Dilma
Maurício Corrêa, de Brasília —
O Governo do presidente em exercício Michel Temer decretou, nesta quarta-feira, 22 de junho, a morte do atual modelo do setor elétrico brasileiro, um dos maiores orgulhos da presidente afastada Dilma Rousseff, considerada como a mãe do modelo surgido em 2003, no primeiro ano da gestão Lula, quando ela ocupava o Ministério de Minas e Energia.
A missa de corpo presente foi oficiada pelo secretário-executivo do MME, Paulo Pedrosa, em discurso feito no encerramento da cerimônia de entrega do ”Prêmio Abradee 2016”. “Acabou o modelo velho. Não existe mais. O setor está mudando”, disse Pedrosa, garantindo que no Brasil “estamos vivendo um momento diferente”. Segundo o secretário-executivo, o ciclo de intervenção governamental no setor elétrico, iniciado em 2003, “fez mal ao País”. Ele citou os casos da Petrobras e Eletrobras, que perderam valor violentamente, em prejuízo dos seus acionistas e investidores.
Ele disse que é necessário resgatar a linha da lógica econômica e reerguer o setor, cujo mal se propaga pela economia, alcançando os investidores estrangeiros, que olham para as suas carteiras e percebem o quanto perderam na desvalorização dos ativos em que investiram no Brasil.
Pedrosa garantiu que o setor elétrico brasileiro já mudou, citando o caso da Eletrobras, que está passando por transformações. Ele lembrou inclusive que poderia fazer parte do Conselho de Administração da estatal, da mesma forma que o titular do MME, ministro Fernando Coelho Filho, como foi moda durante os últimos governos.
“Mas não seria um bom sinal se estivéssemos no Conselho de Administração da Eletrobras, pois ficaria claro que há uma mistura de papéis”, assinalou. O secretário-executivo do MME aumentou o tom da crítica à gestão petista, quando salientou que o Brasil viveu uma espécie de sonho, que pode ter virado um delírio e depois um pesadelo.
Aliás, o tema do novo modelo também foi abordado por outros especialistas do setor elétrico. Igualmente em discurso, o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Leite, disse que é fundamental “resgatar a sustentabilidade do negócio”. Como lembrou, as distribuidoras hoje investem por ano cerca de R$ 12 bilhões, mas, com alguns ajustes no modelo, seria possível agregar mais R$ 6 bilhões, desde que sejam avaliadas situações que envolvem as vertentes econômica, social e ambiental que acabam prejudicando as atividades da distribuição. Ele também reclamou que é necessário existir respeito aos contratos. De qualquer modo, para Leite, as três palavras que sintetizam o aprimoramento do setor são transparência, competência e diálogo.
Além dele, o diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, falando aos participantes do evento, também lembrou que ainda existem alguns desafios que precisam ser enfrentados e, nesse contexto, a sobrecontratação de energia elétrica por parte das distribuidoras representa o ponto de maior preocupação.
Em conversa com este site, Mário Luiz Menel da Cunha, presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia Elétrica (Abiape) e do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase) disse que a adoção de um novo modelo é inevitável, mas que “não podemos cometer os erros do passado. Precisamos desta vez ter uma visão mais completa do setor”, argumentou.
Mário Menel explicou que, com base em diretrizes aprovadas no âmbito do Fase, as associações apresentaram na Aneel um projeto de P&D Estratégico, que visa exatamente a apreciar uma revisão do modelo atual, considerando a gama de inconsistências que foram se somando ao longo do tempo e que mereceram remendos por todos os lados.
Como citou, o Mecanismo de Realocação de Energia (conhecido como MRE e é um mecanismo financeiro que visa ao compartilhamento dos riscos hidrológicos que afetam os agentes de geração, buscando garantir a otimização dos recursos hidrelétricos do Sistema Interligado Nacional) funcionou bem quando o País contava com 90% da sua capacidade de geração através de hidrelétricas e apenas 10% em térmicas. Mas, hoje, com base na proporção de 70 a 30, Menel entende que o MRE não funciona mais. Então, é preciso verificar o que está acontecendo e alterar o modelo.
O mesmo raciocínio, segundo Menel, se aplica ao PLD. “Quando ele estava em um valor baixo, ninguém se lembrava dele. Bastou subir ao seu valor máximo para que a Aneel aplicasse uma canetada, ao mesmo tempo em que várias empresas começaram a quebrar. Isso mostra que o novo modelo precisará ser construído de modo a se antecipar aos problemas”.
Tendo participado ativamente, nos anos 90, das discussões que levaram às profundas transformações sofridas pelo setor elétrico durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, quando foram criados a Aneel, o ONS e a CCEE (sob o nome de MAE), Mário Menel também entende que, desta vez, não há a disponibilidade de tempo registrada no período FHC.
“Não temos tempo para repetir todos aqueles procedimentos, quando repassamos exaustiva e detalhadamente todo o setor elétrico brasileiro. Agora, temos uma emergência pela frente, até porque o fluxo de caixa das empresas está desencontrado. O novo modelo não pode fugir da premissa que precisa ter uma visão de futuro, mas precisaremos trabalhar fortemente o presente, pois muitas situações já não suportam esperar muito tempo. Temos que fazer um novo modelo olhando fundamentalmente para uma agenda de investimentos”, afirmou.
Um grande conhecedor do setor elétrico — que preferiu ficar em off, para evitar que sejam confundidas as suas atribuições institucionais — afirmou ao “Paranoá Energia” que é inegável que o modelo precisa ser revisitado, mas que não é necessário ser radical a ponto de jogar todo o modelo atual fora e partir do zero para construir um novo.
No modelo dilmista, por exemplo, ele salva a forma que garante a expansão do setor elétrico através da contratação de longo prazo. “Isso é muito bom e está sendo copiado por vários países”, assinalou a mesma fonte. Mas, na sua visão, é mais do que necessário mexer na precificação do PLD e na forma de comercialização das distribuidoras.