Abraceel em pé de guerra com CCEE
Maurício Corrêa, de Brasília —
Azedou de vez o relacionamento entre a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel). Se alguém perguntar alguma coisa sobre o assunto, na associação, a resposta é não e que está tudo muito bem, obrigado. Mas a verdade é que a coisa tá feia: os agentes de comercialização estão, sim, muito bravos com a Câmara e o motivo é o papel desempenhado pela CCEE em negociações recentes do mercado livre, rompendo-se uma espécie de lua de mel que já durava bastante tempo.
Este site apurou que, na última segunda-feira, 13 de dezembro, a Câmara realizou uma reunião de interação com as associações para tratar da proposta de transição dos contratos legados, um tema cheio de espinhos na modernização do setor elétrico brasileiro.
Os representantes da Abraceel na reunião quase desmaiaram de susto. De acordo com o que foi dito pela CCEE e foi apurado por este site, o ACL e o ACR contrataram energia de todos os tipos de fontes, com exceção de térmicas com CVU que basicamente foram contratadas pelo ACR. Na visão da Câmara, existiria um desequilíbrio na alocação dos custos entre os dois ambientes, o que precisaria ser corrigido.
Aí, a CCEE deu uma sapecada no mercado livre, alegando que haverá uma cobrança aos consumidores livres do custo do lastro existente já contratado no ACR. A Abraceel cresceu na mesma hora e partiu para cima da CCEE, sob o argumento que a cobrança é indevida. Segundo a associação, se a proposta seguir em frente haverá inevitavelmente judicialização da matéria.
Na visão dos agentes, se houvesse um desenho de mercado mais eficiente o problema não existiria. Entretanto, a eficiência do mercado foi limitada, reduzindo-se o teto do PLD e elevando-se os encargos para os consumidores. A CCEE se defende, alegando que seu objetivo é balancear gradativamente a contribuição de todos os consumidores sobre o custo do lastro existente, sem alterar contrapartes e sem modificar também os recebíveis resultantes dos legados.
“A CCEE pontuou que não haverá valor adicional pago aos geradores, pois esses já possuem sua renda equilibrada nos contratos atuais. Para a Câmara, o reequilíbrio dos custos do lastro existente entre consumidores do ACL e ACR facilita a abertura de mercado, direcionando parte dos legados das distribuidoras no que tange ao lastro. A Abraceel discordou dessa premissa, dada sua evidente contradição”, explica um relatório enviado pela Abraceel, aos associados, nesta sexta-feira, 17 de dezembro, ao qual o “Paranoá Energia” teve acesso.
Na avaliação da Abraceel, isso explica, mas não justifica. A associação ficou muito contrariada com a proposta, pois considera que já existe um mecanismo de contratação de capacidade que foi pensado para ser a transição da separação lastro e energia. Além disso, para a associação, os empreendimentos se viabilizaram no desenho de mercado existente, que sempre teve foco no ACR, lembrando que nunca houve uma discussão estruturada sobre como melhorar o funcionamento do mercado, mas que “quando essa discussão surge, sempre querem criar novos encargos”, como enfatiza o relatório semanal aos associados.
Para complicar a situação, nessa reunião no início da semana, conforme alega o relatório da Abraceel, a conselheira Roseane Santos, da CCEE, teria admitido que a decisão não coube à Câmara, “já que foi uma encomenda do Ministério de Minas e Energia feita no âmbito do Comitê de Implementação da Modernização (CIM)”. Este comitê é integrado pela Câmara, pela EPE e pelo MME. Ou seja, jogou a responsabilidade da surpresinha para cima do povo do MME, em Brasília.
Alexandre Lopes, vice-presidente da Abraceel, expôs a preocupação dos comercializadores na reunião de interação da CCEE com os agentes, argumentando que não há razão alguma para cobrar de um terceiro um custo que já está contratado entre o consumidor cativo e a distribuidora. Para o executivo, essa proposta da CCEE poderia prejudicar todo o processo de abertura do mercado de energia elétrica.
Um colega seu de associação e também vice-presidente, Frederico Rodrigues, foi mais enfático e classificou a iniciativa da Câmara como “descabida” e “inoportuna”. Fazendo coro com seus executivos, a associação, no relatório semanal aos agentes de comercialização, frisou que “recebeu com enorme consternação a proposta”, pois querem “impingir aos consumidores livres um encargo adicional que poderia chegar a R$ 90,00 o MW hora”.
“Para além dos frágeis argumentos apresentados, algumas premissas adotadas são enviesadas para aumentar o valor do encargo, como a que limita o horizonte de cálculos a cinco anos, desprezando anos, como 2014, em que o PLD esteve mais elevado e nos quais o valor do encargo seria negativo”, diz a Abraceel.
O espanto dos comercializadores não parou por aí e teve mais um capítulo no “circo de horrores” ouvido na CCEE, como alegou uma fonte ouvida pelo “Paranoá Energia”. A proposta, enfim, constou no texto do relator do Projeto de Lei 1917/15, em tramitação na Câmara dos Deputados, aprovado no dia seguinte, 14 de dezembro, numa Comissão Especial. A explicação para essa espécie de jabuti aparecer no PL deixou todo mundo louco na associação dos comercializadores:
“Questionada, a conselheira Rose Santos afirmou ter trabalhado para incluir essa proposta no Projeto de Lei, o que causou perplexidade, posto que não é legítimo que representantes da direção de instituições setoriais apresentem propostas ao Legislativo sem antes submetê-las ao crivo de consultas públicas que permitam a discussão e o contraditório e inclusive sem referendá-las junto as suas respectivas direções. Não se sabe inclusive se o próprio MME apoiou o texto apresentado na Câmara dos Deputados”, escreveu a Abraceel às empresas associadas.