Mercado livre se agita com operação no rio São Francisco
Maurício Corrêa, de Brasília —
O mercado livre de energia elétrica está em ebulição desde a semana passada por causa de um recurso que a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) protocolou na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), no qual as empresas Cemig e Chesf foram acusadas de praticar “inside information” em operação de responsabilidade do ONS envolvendo a vazão do rio São Francisco e as hidrelétricas de Três Marias e Sobradinho.
Como tudo que diz respeito ao mercado livre, os humores se alteram em função das carteiras dos comercializadores, ou seja, ganhou dinheiro quem ficou com energia sobrando em consequência da operação feita pelo ONS e perdeu quem precisará pagar mais caro porque o PLD subiu logo depois.
Este site tentou falar com a Cemig e a Chesf, que não quiseram se manifestar. Consultada, a Abraceel também preferiu não colocar mais lenha na fogueira. A Aneel falou através de um despacho assinado pelo próprio diretor-geral Romeu Donizete Rufino, que secamente e em uma única palavra considerou “inadmissível” o recurso contendo 68 itens de argumentação apresentado pela associação, a qual reivindicou que o ofício 128/2016, que deu o comando ao ONS, para efetuar a operação, fosse anulado, “à vista dos múltiplos vícios que o maculam”.
Nos bastidores, entretanto, essa história está fervendo em todos os lados. Entre os associados da Abraceel, há aqueles que aplaudiram a decisão de entrar com o recurso na Aneel, mas também existem aqueles que estranharam os termos duros do recurso formulado junto à agência reguladora. Este site apurou que, dentro do Conselho de Administração da Abraceel, a questão não mereceu unanimidade: dois dos oito conselheiros votaram contra a proposta de pedir à Aneel que anulasse os efeitos do ofício 128.
Em uma reunião telefônica aberta aos associados, a Cemig — que é associada antiga da Abraceel — também teria reclamado da decisão em termos duros, até mesmo porque foi uma das empresas acusadas pela associação de ter se beneficiado do “inside information”. Nesta segunda-feira, este foi o principal assunto discutido na área comercial da Cemig, em Belo Horizonte. Conforme foi apurado, a empresa está avaliando que decisão tomará diante da acusação, não estando descartada a via judicial.
Através do ofício nº 128/2016, da Superintendência de Regulação dos Serviços de Geração (SRG), assinado no dia 07 de junho, a agência emitiu um comando ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para que fizesse, em seus procedimentos operativos, uma alteração na vazão do rio São Francisco, afetando as hidrelétricas de Três Marias e Sobradinho.
Uma fonte técnica explicou a este site que o rio São Francisco tem restrições quanto à vazão, porque a operação de geração elétrica, dependendo da quantidade de água que passa pelas turbinas de Três Marias e Sobradinho afeta diretamente os outros usos do rio, não apenas a navegação, mas, também, a irrigação e o próprio consumo humano.
Nesse contexto, o que a Aneel referendou já seria praticado há cerca de três anos, embora só fizesse parte do programa computacional chamado Decomp do ONS, ficando fora de um outro programa da operação denominado Newave. O que a agência fez agora, segundo a mesma fonte, foi apenas alinhar os dois programas do ONS.
Entre os associados da Abraceel que criticaram a decisão da associação, existe o argumento que, historicamente, a Abraceel sempre se posicionou favoravelmente à correção imediata de erros técnicos, tão logo eles são comprovados. “Não entendi esse posicionamento duro da Abraceel contra a agência, a Cemig e a Chesf, pois o preço agora está correto e ganha o consumidor final, pois o encargo fica menor”, afirmou um associado a este site. Por razões mais do que óbvias, ele preferiu ficar no anonimato.
Segundo o recurso que a associação protocolou na Aneel e que mereceu uma resposta seca do diretor-geral Romeu Rufino, a alteração no Newave poderia afetar o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) em 65% em média. O ONS, assim que recebeu o comando da Aneel, simulou a operação com a nova vazão e teria apresentado os números à Cemig e à Chesf, donas respectivamente de Três Marias e Sobradinho.
“Ocorre que os demais agentes do mercado – inclusive os associados da Abraceel – somente tiveram acesso à informação quando da publicação do Sumário Executivo do PMO, em 16.06.2016 – ou seja, seis dias após a comunicação feita à Cemig e à Chesf”, reclamou a associação, caracterizando claramente esse fato como “inside information”.
“Não existe nenhuma justificativa para que a Chesf e a Cemig tenham obtido tratamento diferenciado dos demais agentes de mercado no caso concreto, sobretudo considerada a nítida repercussão comercial e o valor estratégico da informação que lhes foi antecipada”, assinala o recurso feito pela área jurídica da Abraceel, salientando que “a alteração na representação da UHE Sobradinho no modelo Newave não envolve mudança da política operativa das usinas hidrelétricas da bacia do rio São Francisco, a qual já havia sido definida, desde maio, pela Resolução n. 560/2016, expedida pela Agência Nacional de Águas – Ana”.
Por isso, nos argumentos da Abraceel, as duas empresas que acusa de se beneficiarem da informação privilegiada “não precisariam ser informadas a respeito do tema tratado no Ofício nº 128/2016-SRG/Aneel antes dos demais agentes do setor elétrico, já que não haveria impacto algum na forma de despachar e operar seus respectivos empreendimentos”.
Segundo a Abraceel, houve uma “caracterização inequívoca de inside information. Nesse contexto, fica nítido que a Cemig e a Chesf receberam indevida informação privilegiada”. Mais à frente, assinalou o recurso: “De fato, é universalmente reconhecido que a utilização de informações privilegiadas configura prática reprovável e nociva, amplamente inibida no campo concorrencial”.
A Abraceel ainda acusou a sua associada Cemig de realizar um leilão de compra de energia elétrica no mercado livre depois de ter tido acesso à informação privilegiada gerada pelo ONS ao obedecer ao comando da Aneel. “Assim, é perfeitamente possível que outros agentes tenham sido lesados no período em que apenas dois agentes tiveram acesso à informação privilegiada quanto ao valor do PLD”, alegou a associação.
Dentro da Aneel, a repercussão da atitude tomada pela Abraceel foi a pior possível. Embora todo mundo tenha ficado na moita e atento ao fato que a agência falou pelo lacônico despacho do diretor Romeu, este site observou que ninguém entendeu a razão do recurso feito pela associação, principalmente nos termos em que o fez.
Um técnico qualificado disse que “estamos perplexos. É lógico que todos os agentes e todas as associações podem reclamar do que fazemos aqui na agência. Só não foi possível entender, agora, essa argumentação de que a agência teria ordenado ao ONS que tomasse decisões para beneficiar duas empresas em detrimento de outras. Foi uma agressividade desnecessária, até porque sempre tivemos um diálogo de alto nível com a Abraceel”.