Cemig quer que Abraceel se retrate por acusação de informação privilegiada
Maurício Corrêa, de Brasília —
Acusada pela Associação Brasileira de Comercializadores de Energia (Abraceel) da prática de uso de informação privilegiada quanto à operação do rio São Francisco, afetando a usina de Três Marias, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) reagiu no mesmo tom. Em extensa carta enviada à presidência executiva e à presidência do Conselho de Administração da associação, na noite desta segunda-feira, 27 de junho, a empresa exigiu uma retratação pública imediata da Abraceel, com pedido formal de desculpas, deixando claro que as afirmações contidas em um recurso protocolado na Aneel, na semana passada, relativas à Cemig, “são totalmente infundadas”. Além disso, a empresa mineira também quer que a Abraceel envie uma carta à agência reguladora, retirando os itens do seu recurso nos quais menciona a Cemig. “Tais medidas devem ser tomadas sem prejuízo de outras que a Cemig entender como necessárias para restabelecer a imagem e a reputação da empresa e a relação de confiança que mantemos em nossas interações com o mercado e a sociedade”, finaliza a carta.
Endereçada ao alto comando da Abraceel e assinada pelo diretor comercial da geradora mineira, Evandro Leite Vasconcelos, a correspondência não é pública, mas uma cópia foi obtida por este site. Na homepage do “Paranoá Energia”, inclusive, está disponível a matéria anterior que trata do mesmo assunto, sob o título “Mercado livre se agita com operação no rio São Francisco”. Em um recurso protocolado na Aneel, na semana passada, a Abraceel acusou a Cemig e a Chesf de acesso, via ONS, a informações privilegiadas resultantes de um comando que a Aneel deu ao Operador relativamente à vazão do rio São Francisco, afetando as hidrelétricas de Três Marias e Sobradinho.
Na carta à Abraceel, a Cemig manifestou o “mais veemente repúdio e nossa total indignação quanto às graves e infundadas alegações e afirmações da Abraceel, relativas à Cemig, contidas no recurso dessa associação”. Nesse recurso, a associação também acusou a empresa mineira de ter promovido um leilão, de posse da informação privilegiada, quando teria auferido ganhos indevidos.
“A Cemig tem como princípio agir de forma ética e transparente e usar adequadamente as informações recebidas, obedecendo às leis e regulamentações aplicáveis. Temos compromissos com as melhores práticas de governança corporativa, garantindo a independência, equidade e responsabilidade nas relações com os órgãos reguladores, clientes, mercado e sociedade, dentre outros stakeholders. A empresa possui ainda forte estrutura de governança e mecanismos de controles internos auditados, para assegurar que as decisões tomadas passem pelas instâncias de aprovação necessárias e estejam alinhadas a seus princípios éticos. Sendo assim, podemos afirmar que a Cemig não utilizou de informação privilegiada em seus negócios”, afirma a carta à associação. A Cemig alegou ainda que “prova disso é que o leilão promovido pela Cemig foi publicado no jornal Valor Econômico no dia 1º de junho de 2016, em data anterior à deliberação da Aneel”.
Em 12 itens, a Cemig detalhou toda a sua argumentação, contrapondo-se à acusação da associação de ter praticado “inside information”. A atitude da Abraceel se baseia em uma antecipação de dados que a Cemig e a Chesf teriam tido através do ONS. Mas a empresa mineira garante que “em nenhum momento, o ONS debateu com os agentes Cemig e Chesf a orientação da Aneel sobre a atualização da aplicação das restrições nos modelos computacionais de formação de preço ou os resultados das análises preliminares do impacto no CMO”. Segundo a Cemig a atitude da associação em acusá-la de ter se aproveitado de informação privilegiada para promover um leilão no ambiente livre foi “absolutamente reprovável”, além de ter sido “precipitada” e “equivocada” ao tirar as suas conclusões contra a geradora de Minas Gerais.
Um técnico qualificado da Aneel que teve a responsabilidade de preparar o despacho assinado pelo diretor-geral da agência, Romeu Rufino, que não considerou o recurso formulado pela associação, disse a este site que “claramente, a associação errou a mão, o que foi surpreendente para todos nós”.
O diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, não se negou a falar sobre o assunto. Segundo comentou nesta terça-feira, no intervalo de almoço da reunião semanal da diretoria colegiada da agência, o comando dado pela Aneel ao ONS a respeito da vazão do rio São Francisco não significa, como alegou a Abraceel no recurso (desconsiderado por Rufino) a ocorrência de uma mudança de regras. “Houve um aperfeiçoamento. Uma correção de prática para melhor representar a defluência do rio São Francisco”, esclareceu.
Segundo Romeu Rufino, a defluência normal do rio seria em torno de 1.300 metros cúbicos por segundo, mas não há água armazenada suficiente para alcançar esse nivel. “Não há divergência de conceito. O fato é que os agentes têm posições diferentes e eles são afetados de forma diferente pela variação do PLD”, salientou. Quanto à questão específica do “inside information” relatado pela associação no recurso, Rufino disse que a agência não foi acionada a este respeito, mas que se algum agente tem prova efetiva deve, sim, acionar a Aneel.
Em relação à questão específica que hoje separa a Abraceel e a sua associada Cemig, o diretor-geral explicou que a agência verificou junto ao ONS, para tomar uma decisão no efeito suspensivo reivindicado pela Abraceel quando apresentou o recurso. Ele disse que numa avaliação rápida sobre o assunto, por causa do prazo exigido pelo pedido de efeito suspensivo, não se encontrou no ONS nada que desse razão à associação.
Como argumentou, os comercializadores são muito afetados pelo comportamento do PLD. “Todos são afetados neste caso, de uma forma ou de outra”, assinalou, comentando ainda que alguns comercializadores talvez tenham alimentado um tipo de expectativa em relação PLD, que acabou não se materializando.