A energia no futuro governo
As associações empresariais do setor elétrico começam a se movimentar para fazer algo que burocraticamente ocorre a cada quatro anos, que é apresentar as propostas de cada segmento aos candidatos à Presidência da República. Em muitos casos, nem mesmo os agentes desses setores acreditam nas propostas que são encaminhadas aos políticos. Mas é um direito ter esse tipo de delírio, que normalmente tende apenas a proteger interesses setoriais.
Ainda bem que o editor do site “Paranoá Energia” não é candidato e portanto não será eleito presidente da República. Se fosse, o seu programa para a área de Energia já está pronto, não teria demagogia e é detalhado abaixo.
Para começar, acabaria esse blá-blá-blá que ninguém aguenta mais de ver os tais programas computacionais ditando os preços na área de energia elétrica. Chega de delírio. Quem quiser operar no mercado vai ter que aprender a comprar e a vender energia, como se vai ao Ceasa e se compra laranja e banana. O resto é bobagem tecnocrática, para inglês ver e enriquecer empresas de consultoria. Já está na hora de colocar os pés no chão e aposentar esses programas mixurucas travestidos de matemática profunda. Os preços serão ditados com base na oferta: compro por tanto ou vendo por tanto. Monstrengos burocráticos e desnecessários como a tal da Cpamp, nunca mais. Ponto final. Quem quiser chorar, poderá chorar a vontade.
Obviamente, o mercado de energia na Presidência deste editor será totalmente livre, acabando a histórica dependência dos distribuidores. Será consumidor livre quem quiser e será consumidor regulado quem quiser. Se o consumidor de qualquer faixa quiser ser livre, ele simplesmente preencherá uma declaração: quero ser livre e pronto. Assim será em 30 dias. Do mesmo modo, caso ele se sinta mais a vontade para ser consumidor regulado, permanecerá sob o guarda-chuva da distribuidora.
Este editor é um exemplo. Embora seja um defensor intransigente do mercado livre, como consumidor este editor/candidato já decidiu que permanecerá no mercado regulado quando as regras forem alteradas. Por que? Pela razão simples que o seu consumo é baixo, a conta é pequena e não vale a pena virar um consumidor livre. E esse será o raciocínio de muita gente. É importante que ao consumidor seja dada a opção de ser livre. Ele assim será se desejar.
Haverá uma profunda mudança institucional na área de energia. Imediatamente, serão encaminhadas propostas ao Congresso Nacional para efetivamente privatizar a Petrobras e a Eletrobras. Já cumpriram os seus respectivos papéis históricos como estatais. Ninguém aguenta mais. Muito obrigado e até logo.
A Itaipu Binacional continuará a existir como empresa estatal, pois é fruto de um acordo diplomático complexo com o Paraguai que merece uma atenção especial. Não vale a pena mexer nesse vespeiro, até porque foi um acordo difícil de se obter, envolve um país vizinho, etc.
Mas Itaipu passará por um processo de lipoaspiração, pois pode perfeitamente funcionar com 20% do quadro atual de funcionários. É uma empresa que basicamente deixou de ser uma geradora de energia elétrica para se transformar numa espécie de instituição de desenvolvimento regional e isso precisará ser revisto. Existem outros setores governamentais, BNDES por exemplo, que têm mais vocação para cuidar dessa parte.
Ainda nessa parte institucional, a área nuclear deixará de ser monopólio do Estado. No meu Governo, se é que posso me expressar assim, haverá uma mudança constitucional, permitindo que empresas privadas, se desejarem, possam construir novas usinas nucleares por sua conta e risco. Esse mercado estaria aberto a companhias estrangeiras e dele poderiam participar chineses, americanos, russos e franceses, que têm experiência na área. O futuro presidente não tem nada contra a energia nuclear e nem contra a presença de empresas estrangeiras operando essas usinas internamente. Até considera que o Brasil ficaria melhor na foto se pudesse contar com mais usinas desse tipo em regiões estratégicas do País, como o Extremo Sul e o Nordeste. Com certeza, o Brasil comporta mais cinco ou seis nucleares.
Haveria um redesenho total das agências reguladoras setoriais. A Aneel e a ANP seriam fundidas numa só e cada uma perderia metade do quadro atual de técnicos. A nova agência ficaria sediada em Brasília. Da mesma forma, a CCEE e o ONS seriam agrupados num único órgão, passando igualmente por uma lipoaspiração. Também seria transferido para Brasília. Quanto a EPE, seria simplesmente extinta e suas funções seriam absorvidas pelo Ministério de Minas e Energia.
Esse rearranjo institucional resultaria em enorme redução de custos para os consumidores de energia elétrica. Isso afetaria sem dúvida muitos interesses pessoais, mas é algo que um dia precisa ser feito, em favor da saúde financeira dos consumidores. O modelo brasileiro é muito caro e parte da gordura poderia ser eliminada com essas mudanças.
Inevitavelmente, seria buscada uma fórmula legal para impedir que o MME e toda a sua estrutura sejam ocupados por dezenas de oficiais das Forças Armadas, como ocorre hoje. Vamos inverter o raciocínio e tentar imaginar se dezenas de civis, que não entendem patavina de Exército e Marinha, de repente passassem a ocupar postos relevantes nessas duas áreas que são de carreira típica de quem estudou artes militares. É lógico que os fardados não iriam gostar. Da mesma forma, os civis também não gostam e apenas suportam calados ver a Pasta do MME invadida pelos protegidos do almirante Bento Albuquerque.
Este editor, quando receber a faixa presidencial, vai acabar com essa farra do boi de ter militares usurpando carreiras técnicas civis. Vai ser cada macaco no seu galho, como aliás deveria ser sempre. O almirante Bento é um homem sério e distinto, mas neste quesito ele deu uma bela escorregada e não resistiu aos encantos do poder da caneta.
Na política setorial, este candidato promete que vai se empenhar para, caso seja eleito, adotar práticas que acabem com velhos preconceitos e tornem o setor elétrico mais eficiente. Por exemplo: vai acabar essa besteira de não se construir usinas hidrelétricas com reservatórios. As novas usinas terão reservatórios, sim senhor, como era no passado, evitando-se obviamente pecados ambientais como foi a construção de Balbina, isto, sim, uma das maiores barbaridades já praticadas no País, quando se inundou cerca de 3 mil km quadrados para gerar pouco mais de 200 MW.
Também vai acabar com a sacana criminalização das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH´s). Essas pequenas usinas têm enorme contribuição a dar em um País com as características do Brasil, sem contar os seus inúmeros aspectos positivos. Geram empregos dentro do País, seus lagos de pequeno porte representam baixíssima agressão ao meio ambiente, os equipamentos são construídos pela indústria nacional. As PCH´s só têm coisas boas a oferecer, mas foram criminalizadas e já está passando da hora de corrigir a História, pois muita coisa foi mal contada até agora.
Igualmente, será buscada uma política que tenha como objetivo harmonizar a regulação entre os estados no que diz respeito ao gás natural. Isso hoje é uma confusão só, cada estado enxerga o gás natural de uma forma e isso acaba prejudicando o desenvolvimento do mercado. É verdade que vivemos numa federação, mas isto não significa que os estados possam regular o gás natural a seu bel-prazer. Existem situações que podem ser harmônicas entre os estados, principalmente no campo tributário, de modo que o mercado do gás natural possa crescer sem atropelos.
O novo presidente também acabaria com essa história de se ficar criminalizando a energia térmica, dizendo que ela é a mãe de todas as mamatas. Outra sacanagem. Na nossa matriz, há espaço para todo mundo. E basta ver o que aconteceu recentemente. Se não houvesse a energia térmica, que de repente virou injustamente uma espécie de Geni, o Brasil teria mergulhado em mais um sinistro apagão. Só fomos salvos de novo racionamento não porque o Governo seja lindo, eficiente e maravilhoso. Nada disso.
Apenas porque o Brasil tem a sorte de contar com um parque térmico, construído com sacrifício ao longo de vários anos, que foi utilizado com competência para evitar a falta de energia em um momento de forte estiagem. É verdade que o preço da energia foi às alturas para os consumidores, mas como se aprende no primeiro dia de aula nas escolas de Engenharia Elétrica, a energia cara é aquela que não existe. O oposto, portanto, seria o apagão.
Existem outros pontos que poderiam ser abordados, mas o candidato prefere parar por aqui, pois tem ampla consciência que já escreveu o suficiente para deixar muita gente brava, pois fortes interesses profissionais, políticos e corporativos foram contrariados na presente proposta.
Esta proposta do editor/candidato é logicamente uma brincadeirinha, apenas uma alegoria, mas que no fundo encerra várias verdades, que nem sempre são enfrentadas pelos políticos ou executivos do setor. Na realidade, o que se pode perceber do conjunto de situações aqui elencadas é que é muito difícil alterar a rotina da área de energia no Brasil. Existem interesses que estão cristalizados há décadas e qualquer coisa que possa ameaçá-los é visto como temerária e louca.
É um setor que, por isso, vive de mudanças cosméticas. Uma mudancinha aqui, uma alteraçãozinha ali, uma troca de dirigente acolá, tudo de modo muito brando, com muito jeito e delicadeza, para não balançar demasiadamente as estruturas. É uma área que se caracteriza por um forte conservadorismo, no sentido de ser pouco disposta a mudanças estruturais. Estas normalmente são vistas como ameaças.
No fundo, o que temos no Brasil é um complexo sistema altamente ineficiente, que protege interesses de toda ordem e que, no fundo, é bancado pelo pobre do consumidor. Este, sim, é um herói e merece ser canonizado, pois sai Governo, entra Governo, sustenta um monte de bobagens que apenas encarecem a conta de luz no final do mês.
Vive em um país, onde a energia gerada é relativamente barata, mas a conta de luz é quase sempre salgada. A conta mensal paga pelos consumidores é atravessada por todos esses interesses e, com toda certeza, não surgiu ainda o presidente da República que vai colocar ordem na casa. Ainda não apareceu o cidadão que vai se contrapor a esses interesses.
Enquanto isso, tome programas computacionais de formação de preços, tome Cpamp, tome proteção ao carvão, tome especialista em navios de guerra ditando a política setorial e por aí vai. Se você não estiver satisfeito, reclame com o Congresso Nacional, pois o orçamento secreto existe exatamente para resolver o seu problema.