Querem acabar com as agências
O site “Paranoá Energia”, desde o início de suas atividades, no final de 2015, nunca escondeu de ninguém que defende a fusão da Aneel com a ANP.
Há uma lógica nessa ideia, pois, hoje, não se pode tratar a energia elétrica distante das questões que afetam a energia térmica. Ambos os ambientes, portanto, estão profundamente interligados.
E, por uma questão natural de custos para os consumidores, o mais lógico é reunir os assuntos de energia elétrica e energia térmica em uma mesma agência reguladora. Menos técnicos, menos despesas administrativas, menos custos para os consumidores, até porque a geração térmica veio para ficar e não se pode imaginar o sistema elétrico brasileiro sem o funcionamento das usinas térmicas.
Mas a defesa dessa fusão (que é algo específico) não significa que o site “Paranoá Energia” concorda com uma proposta de PEC recém-anunciada, que desmantela e desfigura completamente o sistema brasileiro de agências reguladoras. Ao contrário, as agências reguladoras são relevantes para o País.
A proposta de PEC foi apresentada pelo Instituto Unidos Brasil. A simples leitura dos integrantes desse instituto não deixa qualquer dúvida em relação às impressões digitais do Palácio do Planalto na elaboração dessa PEC.
O fundador do Instituto Unidos Brasil é um senhor que costuma levar pessoalmente os pratos saborosos da sua rede de restaurantes, ao Palácio Alvorada, para consumo do presidente da República.
Políticos em geral odeiam agências reguladoras. A questão é muito simples. As agências representam o Estado brasileiro, seus diretores são possuidores de mandatos e não podem ser afastados pelo Poder Executivo, caso este não concorde com uma ou outra decisão tomada por determinada agência. Ou seja, as agências não estão a serviço do Poder Executivo, qualquer que seja o governante de plantão. Estão a serviço do Estado brasileiro.
Vale lembrar o quanto o presidente Jair Bolsonaro ficou furioso com a Anvisa na condução exemplar que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária deu ao problema do Covid. Se o diretor-geral da Anvisa não tivesse um mandato, teria sido, sim, demitido pelo presidente da República, embora estivesse apenas cumprindo as suas obrigações com responsabilidade.
As agências foram criadas durante o Governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Mesmo então, apesar de todo o liberalismo, não havia muita convicção em relação à autonomia das agências.
No racionamento de 2001/2002, figuras poderosas do Governo quiseram enquadrar o então diretor-geral da Aneel, José Mário Abdo, e responsabilizá-lo pela falta de energia elétrica, pois a conta daquela lambança caía naturalmente, sob medida, no colo do PSDB. Mas Abdo, que era possuidor de mandato, apesar de todas as pressões do Palácio do Planalto, conseguiu resistir e só deixou a Aneel bem depois de terminado o racionamento.
Durante o Governo do presidente Lula, o PT também demonstrou inúmeras vezes que não morria de simpatias pelo modelo das agências reguladoras. O então ministro da Casa Civil, José Dirceu, chegou a patrocinar uma proposta de emenda que descaracterizava as agências reguladoras, mais ou menos nos moldes da proposta de PEC recentemente anunciada.
E, na própria Aneel, o PT praticamente fez uma intervenção branca. Na gestão Lula, um diretor-geral da Aneel era um petista roxo, que confundia Estado com o Governo e nunca escondeu as suas preferências favoráveis ao Governo. Nesse período, vergonhosamente, a Aneel virou uma espécie de departamento do MME.
Agora vem essa proposta de PEC, que, por enquanto, é apenas uma manifestação empresarial, mas de empresários fortemente comprometidos ideologicamente com o atual Governo.
É possível que em um primeiro momento não aconteça nada, até porque os senhores congressistas já estão envolvidos de corpo e alma no processo eleitoral e alguns já nem dão as caras em Brasília.
De qualquer jeito, a semente foi lançada. Se cuidem, defensores das agências. Uma proposta de PEC que fere profundamente o estatuto das agências é algo para se preocupar.