O futuro do mercado livre
O empresário Walfrido Avila, presidente da comercializadora Tradener, saiu mais do que satisfeito, nesta segunda-feira, 18 de abril, de um evento organizado pelo site Canal Energia, no Rio de Janeiro.
No seminário, foram discutidas questões fundamentais que afetam o setor elétrico brasileiro. Participante de uma mesa-redonda, Avila ficou particularmente feliz com a forma como o consultor João Carlos Mello, da Thymos Energia, condensou os problemas atuais do SEB, principalmente a polêmica questão da expansão do mercado livre.
Avila e outros empreendedores do mercado livre ficaram entusiasmados com o que viram e ouviram no evento. E chegaram à conclusão que, se houver vontade política, o mercado livre de energia elétrica, no Brasil, está mais do que maduro para crescer. Já está até passando da hora.
“Fiquei convencido que o ML está totalmente em condições de ganhar a tão sonhada autonomia. Um mercado total livre pode começar a operar dentro de uma semana ou 15 dias. Não precisamos esperar mais do que isso”, disse Walfrido Avila a este site.
Este editor é fã de carteirinha de Walfrido Avila e o tem na conta de um dos grandes conhecedores do SEB, especialmente do mercado livre, do qual foi pioneiro. Mais do que isso, foi o fundador. Quando ninguém na área empresarial, na mídia, no mundo político ou na universidade tinha a menor ideia do que era isso. Ele criou o ML no Brasil e merece todas as homenagens.
O site “Paranoá Energia” se reserva, porém, ao momento raro de discordar do presidente da Tradener. Não é assim que as coisas funcionam neste pedaço de planeta chamado Brasil. E o ML é uma dessas coisas enigmáticas que estão por aí. Tem exatamente ¼ de século que o mercado está em condições de ser ampliado e sempre tem uma coisinha pegando, que impede. Por que agora seria diferente na Terra de Santa Cruz?
É verdade que o pessimismo faz parte do jornalismo. Este editor não é totalmente pessimista (já foi, mas, hoje, depois de sete décadas de vida, conseguiu finalmente entender que um pouco de otimismo não faz mal a ninguém), mas, sem querer estragar a festa de outros, só gostaria de lembrar que as mesmas pessoas que hoje batem no peito e dizem, no MME, na CCEE, na Aneel ou no ONS, que são amigos do ML, são aqueles mesmos que ao longo dos anos têm trabalhado com afinco e dedicação contra o mercado livre. É triste dizer isto.
Como se isso não fosse suficiente, poucas vezes, nos últimos 30 anos, se viu um somatório de enorme pobreza intelectual entre aqueles que hoje têm o poder de tomar decisões impactantes no SEB. Infelizmente, o setor está nivelado por baixo e o que sobra hoje são técnicos medianamente preparados e que morrem de medo. Tremem nas bases quando se chega ao momento de tomar decisão.
É possível até que a grande maioria desse pessoal encontre racionalidade na ideia do mercado livre e não tenha dúvidas quanto à importância de ampliar o ML. Só que há uma enorme distância entre a intenção e o gesto, como já disse o músico, poeta e escritor Chico Buarque (“… Se trago as mãos distantes do meu peito, é que há distância entre intenção e gesto”. Da belíssima música “Fado Tropical”, de 1973).
Por isso, ao longo do tempo fica esse jogo de empurra vergonhoso entre as chamadas autoridades. Todos concordam que é bom para o País abrir o mercado de energia. Porém, como bate aquele medinho na hora de se tomar a tal da decisão política, o ministro joga para o Palácio do Planalto, o Palácio joga para o Senado Federal, o Senado joga para a Câmara dos Deputados, a Câmara joga para a Aneel, a Aneel para o ONS, o ONS joga para a CCEE e a CCEE fica com a batata quente nas mãos, sem saber o que fazer e implorando por uma ajuda divina. Na falta do apoio espiritual, a CCEE devolve o pacote para a Aneel e faz-se o percurso inverso. E assim as pessoas vão vivendo, nessa ilusão de que são importantes e que fazem alguma coisa boa para o País. Coitado do Brasil.
Ou seja, será que existe alguém que não conhece o sentido da palavra “enrolation”? Está mais do que explicado. “Enrolation” é isso aí: chutar a bola para a frente ou para o lado e que outro tome a decisão.
É bom lembrar, entretanto, que entre os inimigos do ML paradoxalmente e por mais incrível que isso possa acontecer, encontram-se também alguns comercializadores. Não são muitos, mas existem.
São aqueles que temem sair da zona de conforto da situação atual e ganham um dinheirinho bom tratando com poucos clientes de grande porte e morrem de medo de ser engolidos no ambiente de extrema competição que passará a existir no dia em que o mercado for ampliado. Nesse dia, o mercado passará de poucos milhares para dezenas de milhões de consumidores. Então o cara prefere lidar com alguns contratinhos, que vão permitir a compra de um apartamento em Miami ou de um SUV de R$ 500 mil.
É importante que todos saibam que este editor gostaria enormemente de estar equivocado. E que o Brasil, ao contrário, fosse um País de técnicos e homens públicos corajosos, que não têm qualquer medo para tomar as tais decisões, mesmo uma relativamente simples como permitir que consumidores de energia elétrica possam escolher o supridor.
Algo que se resolveu sem grandes atropelos em outros países, mas que aqui não pode. Porque infelizmente tem muita gente incompetente, medrosa e incapaz para assinar um simples papel que vai virar o SEB de cabeça prá baixo e fazê-lo sair da Idade Média para entrar na Idade Contemporânea.
Só para finalizar, vale lembrar uma historinha que envolveu o então candidato à Presidência da República, Eduardo Campos, na campanha de 2014. Um belo dia, ele apareceu de surpresa na sede da Abraceel e disse que só sairia de lá quando conseguisse entender o significado do mercado livre.
Depois, feliz da vida com as explicações, ele se despediu dos diretores e funcionários e disse: “Agradeço muito pela aula. Com a proposta de ampliação do mercado livre de energia elétrica vou viajar por todo este País e vou ganhar esta eleição”.
Dias depois, quis o destino que acontecesse o acidente aéreo em Santos, no qual Campos perdeu a vida e foi substituído por Marina Silva.
O fato é que, neste ano novamente eleitoral, pelo perfil, existe apenas um pré-candidato que poderia empalmar o entusiasmo de Eduardo Campos e fazer do direito de escolha dos consumidores uma bandeira de campanha. Seria o ex-governador João Dória, que nunca deu uma palavra sobre o assunto. Ninguém sabe o que ele pensa sobre isto, se é que pensa alguma coisa.
O ex-presidente Lula e seu Estado Maior petista são contra o ML, o atual presidente Bolsonaro não tem a menor ideia a respeito do significado do tema (se quisesse poderia ter tomado uma decisão em mais de três anos de mandato). E Ciro Gomes não tem o perfil de alguém que poderia se interessar pelo assunto.
Vendo a programação de eventos do Canal Energia neste ano, este site descobriu que existem dois nos quais seria extremamente oportuno, inteligente e extraordinário, se as autoridades que mandam no SEB pudessem chegar lá e dizer, finalmente, que o ML está liberado. Em vez de ficar com o nhem-nhem-nhem irritante de todos os dias, seja no MME, seja no Palácio, seja no Congresso ou nos órgãos técnicos setoriais como Aneel, ONS ou CCEE.
No dia 08 de junho, o Canal Energia promoverá, no Rio de Janeiro, o 19º Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico (Enase). E, no dia 25 de novembro, em Salvador, haverá o 14º Encontro Anual do Mercado Livre. Este editor se permite sonhar e imaginar que alguma autoridade poderia se materializar num desses eventos — dos mais importantes do SEB e que reúnem dezenas de especialistas — simplesmente para dizer que acabou a choradeira e que o ML agora era de fato livre. Simples assim. Será?