O sofá velho está na sala do SEB
O Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase) enviou uma carta à Comissão Permanente para Análise de Metodologias e Programas Computacionais do Setor Elétrico (Cpamp). Pede mais transparência aos trabalhos da comissão num assunto específico, que é a divulgação ampla das contribuições enviadas pelos agentes no processo da Consulta Pública 121/2022.
Em termos concretos, a iniciativa do Fase é pura perda de tempo, pois a Cpamp não existe para explicar nada. Se tivesse que explicar, não teria razão para existir. De certa forma, a tal da Cpamp não passa de uma ficção, que pouca gente leva a sério, embora formalmente ninguém fale sobre isto.
É óbvio que grupos de pressão, como o Fase, têm como função se relacionar com variados setores públicos. Nesse contexto, pedem, reclamam, esclarecem ou sugerem, pois mais do que isso não podem fazer.
Só que a tal da Cpamp é um caso à parte. Essa comissão trata dos modelos computacionais que formam os preços da energia elétrica no Brasil, uma herança que vem dos anos 90, quando o setor elétrico brasileiro sofreu profundas alterações.
Na época, foram criados a Aneel, o ONS e o Mercado Atacadista de Energia, hoje Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Alguém achou bonito definir preços do setor elétrico por computador e os programas foram adotados desde então.
Só que, hoje, quase 30 anos depois, as perguntas que se fazem são as seguintes: para que servem esses programas computacionais? Têm sentido ainda manter a formação de preços por computadores nesta antevéspera da abertura do mercado? Será que os caras que mandam no SEB estão pensando em abrir o mercado e manter os tais preços por computador?
O fato é que tais programas computacionais, hoje, parecem mais aqueles enormes sofás velhos que existem na sala e que ninguém sabe o que vai fazer com eles.
O sofá é velho, está gasto, não combina com o resto da casa. Quase todo mundo da família gostaria de se livrar do desengonçado e horroroso sofá, mas tirá-lo da sala é uma complicação só.
Na rua não pode deixar, pois o caminhão de lixo não vai levar o trambolho. Tem que contratar um caminhão que poderá levar o sofá para algum lugar distante, mas o frete é caríssimo. Então, a coisa fica ali. Ninguém quer mais o sofá na sala, mas ficar livre dele é um problemão.
Os programas computacionais de formação de preço da energia elétrica no Brasil são uma espécie de sofá velho. Não funcionam, são uma metodologia equivocada, mas estão lá. Tem gente que ganha e perde dinheiro com o sofá do SEB.
Eles é que formam os preços, pois ninguém tem a coragem cívica, no Brasil, de jogar esse troço pela janela e colocar em prática o mecanismo mais sábio do mercado, que é a formação de preço com base na oferta. Sofisticados, em termos matemáticos, mas inúteis, os programas computacionais são também uma espécie de “Belo Antônio”.
Esta segunda analogia cabe na questão. Para quem não tem intimidade com o cinema franco-italiano dos anos 60, o “Belo Antônio” (papel imortalizado pelo ator Marcello Mastroianni) conta a história de um conquistador em potencial, um supermacho, que na cama não funciona.
O Fase se surpreendeu com uma velha prática dos engenheiros conservadores que controlam o setor elétrico brasileiro: total falta de transparência nos trabalhos da Cpamp.
Apenas perda de tempo. Os programas computacionais são totalmente obsoletos e a comissão que cuida da metodologia de tais programas, nesse contexto, é absurdamente surrealista. Um típico filme de Fellini. Uma espécie de delírio tecnológico.
O Fase e as associações empresariais que se envolvem com esse tipo de assunto, deveriam, sim, ter um outro tipo de abordagem em relação ao “Belo Antônio” ou a Cpamp e, em vez de ficar mandando cartinha, poderiam simplesmente denunciar o quão arcaico e inútil é tudo isso.
Mas não o fazem. E não o fazem porque os engenheiros que controlam o SEB têm pavor de alterar qualquer coisa. Isso vale para quem está dentro e fora do Governo. Eles apreciam a lentidão das mudanças. Na visão de muita gente no setor elétrico, promover algum tipo de mudança estrutural é algo absolutamente insuportável. É por isso que há 24 anos é possível ampliar o mercado livre e ninguém nunca tomou a frente da iniciativa.
Para esse pessoal, pode-se até imaginar que um dia os programas computacionais possam deixar de existir, mas seria mais conveniente criar uma comissão especial, abrir uma consulta pública, promover um seminário com especialistas de outros países.
Daqui a 10 anos, talvez, o Brasil já tenha amadurecido a decisão para só então pensar em acabar com os preços formados por computador.
Enquanto isso não acontece, o trambolho velho está lá na sala. Ninguém sabe o que fazer com os programas computacionais do SEB, 30 anos depois.