Os meio-comercializadores
A associação dos comercializadores de energia, a Abraceel, tem boas explicações para várias situações que envolvem o mercado livre de energia elétrica no Brasil. Todas elas são razoáveis e plausíveis e comprovam que não foram em vão os mais de 20 anos de muita luta e trabalho duro para tentar mostrar ao Brasil que o livre mercado não é um bicho de sete cabeças. Ao contrário, é uma opção racional, boa para a economia e para os consumidores.
A Abraceel só se enrola na hora de tentar explicar algo, que é absolutamente inexplicável. Enquanto o mercado livre tem sido apenas um conjunto de alguns milhares de consumidores de grande porte, essas coisas podem até ficar em segundo plano. Entretanto, quando se pretende abrir para o grande público, incorporando milhões de consumidores residenciais, bem, aí a conversa precisa ser outra.
Na realidade, a associação não consegue dizer, em português claro e que todos possam entender, porque os seus associados (ou a maioria deles) têm verdadeiro pavor da definição de preços da energia elétrica pelos próprios agentes compradores e vendedores.
Como aliás, funcionam os mercados em geral. Quando você vai na feira livre e quer comprar banana, como funciona o processo de compra e venda? O comprador pergunta ao feirante: “Quanto está a banana”? O vendedor responde que “está tanto o kilo”. Se estiver caro, o comprador pode deixar para voltar mais tarde e comprar a banana na xepa.
Com a energia elétrica, deveria ser assim. Se os comercializadores de energia elétrica falam tanto em aumentar o tamanho do mercado e incorporar novos consumidores ao chamado mercado livre, por que razão eles ainda se apegam a uma prática arcaica, sem transparência, tecnicamente discutível, que é a definição dos preços por meio de programas computacionais? Será que não sabem calcular quanto custa a energia elétrica e por quanto ela deveria ser vendida?
Prestes a ingressar num patamar em que a transparência é absolutamente fundamental, os associados da Abraceel aparentemente não têm essa consciência e preferem comodamente continuar operando num mercado voltado para o passado, no qual os preços são definidos por programas computacionais. Há uma ilusão de ótica aqui, pois se fala em programa computacional e se imagina algo futurístico, voltado para o futuro, mas neste caso é o contrário. O computador é o atraso total.
Isso é absolutamente estranho e incompreensível, pois, simultaneamente, a associação está mergulhada de corpo e alma na aprovação de um projeto de lei que vai revolucionar o mercado livre e permitir a sua expansão no Brasil. Falta coerência nesse processo.
O mercado está prestes a se abrir, mas, em relação à formação dos preços da energia elétrica, a depender dos próprios comercializadores, vai continuar a mesma caixa preta que já existe há pouco mais de 20 anos e do qual relativamente poucos entendem como funciona. Só os gênios matemáticos, é evidente, compreendem como funcionam os tais preços por computador. Afinal, gênio é gênio e sabe tudo.
Este editor desconfia que talvez possa existir um segredo nessa história. Qual é, não se sabe. Afinal, para que serve um comercializador? Serve para comprar e vender. Ora, esse é exatamente o momento mais sublime e significativo de qualquer operação comercial, justamente quando os compradores e vendedores definem o preço pelo qual a mercadoria será vendida.
Mas, no caso do mercado livre de energia elétrica no Brasil, os próprios comercializadores abdicam de exercer esse papel. Ou não sabem como dizer ao freguês por quanto determinado volume de energia deva ser vendido. É triste dizer isto, mas, na prática, se tornam apenas meio-comercializadores. A outra metade deve ser creditada aos gênios da computação, que, mais do que ninguém, sabem por quanto a energia elétrica no Brasil deva ser comprada e deva ser vendida.