ML vive a angústia da volta dos seus inimigos
Maurício Corrêa, de Brasília —
Os defensores do mercado livre de energia elétrica estão se apegando à fé. Em mais de 20 anos, gastaram todos os argumentos possíveis e imagináveis para convencer as autoridades que o preço livre é algo bom para a sociedade e os consumidores. Agora que a ampliação do ML está bem perto, com a possibilidade de aprovação do PL 414 da Câmara dos Deputados, eles assistem com preocupação a possibilidade de volta ao Poder de inimigos ideológicos do ML, que durante quatro gestões federais travaram o seu crescimento e o condenaram à estagnação.
Da boca para fora o discurso é outro, pois ninguém quer se indispor com forças que podem ser governo novamente. A preocupação é evidente, pois o ML, com a mudança provocada pelo PL, deixará de atender 10 mil consumidores, e passará a atender milhões. Durante um evento promovido pelo Ipea para discutir o PL 414, o vice-presidente de Estratégia e Comunicação da associação dos comercializadores, a Abraceel, Bernardo Sicsú, negou esse recurso ao messianismo e garantiu que, hoje, o PL é “suprapartidário” e que a organização tem discutido a proposta com expoentes dos principais partidos, inclusive o PT.
“Não é um programa de Governo. É do País”, argumentou Sicsú, frisando que o PL é “uma questão de cidadania”. Na mesma linha de raciocínio, Claudio Ribeiro, CEO da comercializadora e geradora 2W Energia (uma empresa vinculada à Abraceel), disse que “os Governos são transitórios. E as pautas da sociedade são permanentes. Se a sociedade entender o quanto o PL é eficiente, o Governo vai a reboque da sociedade. Aí não tem direita e nem esquerda”.
O raciocínio é bom, mas nem sempre corresponde à realidade. O fato inegável é que, desde que assumiu a proposta da relatoria do PL, o deputado Fernando Coelho Filho (União-PE) tem uma resposta decorada para todos que perguntam sobre o projeto de modernização do setor elétrico brasileiro. “O substitutivo está praticamente pronto. Questão de dias”. Bom, lá se vão vários meses que ele diz a mesma coisa e o substitutivo nunca é apresentado. Nos bastidores, agentes do setor elétrico desconfiam fortemente que o relator está fazendo um jogo duplo.
Segundo essas fontes, aos defensores do PL, Fernando Coelho Filho (ex-ministro de Minas e Energia) estaria dizendo que a proposta está praticamente fechada e pronta para ser apreciada em plenário nos próximos dias. Aos adversários, provavelmente nem diz nada, mas o simples fato de empurrar com a barriga é um sinal. No Congresso, até o funcionário mais humilde da faxina sabe que pingo é letra e às vezes não é necessário dizer nada.
No mercado, há uma preocupação óbvia, que é a janela de oportunidade para aprovação da proposta, já que o País começa a viver com mais intensidade o ambiente pré-eleitoral. Em maio, não dá tempo para mais nada. Aí vem junho, quando a proposta precisa necessariamente ser apreciada e se possível aprovada, pois, em seguida vem julho e é recesso parlamentar, sendo que muitos congressistas já estarão mergulhados de corpo e alma no processo de reeleição, que é uma briga de foice no escuro. O Congresso fica às moscas. É compreensível. Ninguém quer deixar de ser chamado de Excelência e nem quer perder o direito ao tapete vermelho e aos salamaleques de Brasília.
Entre os defensores da ampliação do mercado livre de energia elétrica, ninguém pronuncia a palavra, mas é evidente que o medo atende pelo nome de PT. Durante as suas quatro gestões no Governo Federal, o PT hostilizou o quanto foi possível o ML. Apenas como exemplo, Dilma Rousseff ainda nem era ministra, mas apenas simples coordenadora de Energia do então futuro governo, quando, numa reunião com comercializadores, no CCBB, em Brasília, disse horrores sobre o ML. Saiu todo mundo traumatizado, desejando rapidamente correr para um psiquiatra. Foi uma reunião que nenhum dos seus participantes jamais esquecerá.
Antes de ser ministra, Dilma não sabia sequer a diferença entre metanol e etanol, mas, depois de empossada, foi conhecendo aos poucos a Pasta do MME e seus jargões, e inclusive o mercado livre. Ideologicamente era contra a sua expansão, mas quando foi alertada que os grandes exportadores do Brasil eram clientes livres e poderiam perder competitividade no mercado internacional, desistiu de acabar com o ML, mas impediu que ele se expandisse. Durante anos, o ML patinou em 23 ou 24% da energia comercializada no País.
Hoje, as pesquisas em geral apontam uma possibilidade de volta do ex-presidente Lula ao Poder. Dilma talvez não volte com ele, mas no mercado considera-se como certo o retorno da influência do professor Maurício Tolmasquim, que foi o grande ideólogo do SEB nos anos petistas. Tolmasquim nunca escondeu que é ferrenho defensor das distribuidoras, que ele vê através de uma lente antiga, como caixa do setor elétrico brasileiro. Exatamente como era o SEB nos anos do general Geisel. É um técnico sério e correto, mas parou no tempo e no espaço.
Não é possível dizer se o PT, Tolmasquim, Lula ou Dilma estão atentos às mudanças tecnológicas que envolvem a energia elétrica no Planeta Terra e a importância das energias renováveis na matriz. Tampouco se eles sabem como os agentes do mercado livre têm impactado os investimentos na geração elétrica por meio das energias renováveis. Nem se pode dizer, é lógico, que Lula ganhará a eleição. Mas a preocupação existe, até porque o ex-presidente há poucos dias se manifestou contrário à privatização da Eletrobras. É possível que não tenha mudado muito em relação ao SEB, inclusive ao ML.
É verdade que o presidente Jair Bolsonaro também está aí para ajudar no circo de horrores e a assustar o mercado, com suas ideias populistas para enquadrar preços de energia elétrica e combustíveis.
De qualquer forma, a diretora de programa da Secretaria-Executiva do MME, Camilla Fernandes, falando no mesmo evento do Ipea, disse a este editor que uma eventual aprovação do PL 414, na janela de oportunidade de junho, será um marco importante, mas muita água ainda vai passar por baixo da ponte. “As coisas não mudarão de um dia para outro. Teremos então um período para regulamentação da nova lei, se for o caso, e isso ainda vai levar um tempo”, disse.