A burocracia do SEB pirou
Este site tem escrito com alguma frequência sobre a formação de preços da energia elétrica, no Brasil, que ainda utiliza modelos computacionais. O “Paranoá Energia” volta novamente ao tema, mas não pensem os leitores, por gentileza, que este editor está fazendo campanha contra apenas por fazer e que não tem outros assuntos sobre os quais escrever.
Para deixar bem claro, não se trata de campanha e sem dúvida há outros temas para se escrever a respeito do SEB. Mas nenhum deles é tão excitante quanto a perspectiva relativamente próxima de se abrir o mercado de energia para milhões de consumidores, usando-se os preços não transparentes fornecidos por máquinas. É uma enorme insensatez e aparentemente é nessa direção que estamos seguindo.
De repente, aliás, a formação de preços virou uma preocupação da burocracia, como será sintetizado aqui, e tudo indica que os burocratas que conduzem o nosso setor elétrico deram uma bela pirada e resolveram assumir de vez que vivem numa realidade paralela.
No último dia 23 de maio, por exemplo, foi publicado um documento de 12 páginas, que poderia ser classificado como um monumento à inutilidade. Trata-se de uma doideira chamada (não é brincadeira, o nome é esse mesmo) “Regimento interno da Comissão Permanente para Análise de Metodologias e Programas Computacionais do Setor Elétrico – Cpamp”. Burocrata gosta desses nomes cheios de pompa.
Este site em várias oportunidades já manifestou a sua opinião sobre a tal da Cpamp, que é uma espécie de alucinação burocrática. Agora, os gênios do MME resolveram fazer um regimento interno para um troço que não serve para nada, que é a Cpamp. Pura perda de tempo, mas este editor leu o regimento interno por um dever de ofício.
O raciocínio é muito simples: os modelos computacionais só definem inutilidades, a Cpamp é uma comissão que analisa essas inutilidades, então o regimento interno da Cpamp é a inutilidade da inutilidade. Assim vive o nosso setor elétrico, cantado em prosas e versos como competente e eficiente, mas que perde um tempo enorme com esse tipo de coisa.
Este editor acredita piamente na existência dos homenzinhos verdes que eventualmente aparecem em Varginha ou Alto Paraíso, mas com certeza o regimento interno da Cpamp supera, em termos de expectativas, as noites atentas aos movimentos no Céu e às manifestações de seres alienígenas.
Olhando superficialmente, o regimento é uma beleza, muito bem preparado. Trata com esmero jurídico e conhecimento de causa várias situações que envolvem a Cpamp: finalidade, competência, composição, atribuições dos seus integrantes, responsabilidades individuais, grupos de trabalho, como se realizam as reuniões e obviamente a participação das chamadas desenvolvedoras dos modelos oficiais. Tudo bonitinho, como manda o figurino para se fazer um bom regimento interno.
E prá que serve tudo isso? Para nada, infelizmente. Tempo, recursos, tudo jogado fora. Apenas uma demonstração explícita de poder de alguns burocratas despreparados, que morrem de medo de tomar a decisão política de formar preços por oferta no setor elétrico brasileiro. E ficam vivendo essas fantasias tipo Cpamp e preços definidos por computadores, que não levam a lugar nenhum.
Qualquer dia desses, vai descer um OVNI na frente do MME para levar a turma da Cpamp para dar uma volta no mundo interestelar. Talvez, quando a nave passar por dentro de um buraco negro, esse pessoal vai ficar mais esperto.
Até mesmo a associação dos comercializadores de energia, a Abraceel, que não deveria mas costuma ser sempre muito amiguinha da Cpamp, chiou. Discretamente, mas chiou.
O regimento assinala que as associações empresariais poderão ser convidadas para participar de reuniões específicas, em caráter consultivo, a cada quatro meses. A Abraceel, cujos associados se interessam fortemente pelo tema da formação de preços, queria que isso ocorresse não a cada quatro meses, mas em todas as reuniões da Cpamp. Mas quem disse que a tal da Cpamp está interessada em transparência? Isso é um mero detalhe, que não vai mudar o SEB, mas que dá uma ideia do poder da burocracia.
Dois dias depois da publicação dessa peça inútil, a CCEE organizou um workshop, com mais de 300 profissionais do setor elétrico, para discutir a tal formação de preços. Nesse encontro, se tratou de tudo: volatilidade do
PLD, histórico das vazões e obviamente da alternativa ao modelo computacional, que é o modelo pela formação de preços por oferta.
Esse workshop foi uma mistura de delírio com preocupações evidentes com a realidade do SEB. O MME, que há anos vive nas nuvens em relação ao tema da formação de preços, apresentou no workshop o que chamou de aprimoramentos da Cpamp. Isso mesmo: aprimoramentos da Cpamp.
A CCEE foi um pouco mais pé no chão, talvez por lidar mais diretamente com os consumidores livres e os vendedores de energia elétrica (comercializadores e geradores). Tudo gente interessada em vender por tanto e comprar por tanto. A Câmara revelou que a hidrologia é responsável por 52% da variação do PLD e o armazenamento de água nos reservatórios das usinas de somente 13%.
O mais curioso e que não dá para entender direito é porque só agora, 20 anos depois de utilização dos modelos computacionais, a CCEE está interessada em tentar entender melhor o peso do armazenamento na formação dos preços. Já deveria há muito mais tempo se esforçar para descobrir como se dão esses impactos. Isso mostra como o Brasil está totalmente perdido em relação ao tema.
Nesse evento da CCEE chamou a atenção o anúncio feito pelo gerente de uma das maiores geradoras do Brasil, que, aliás, é conselheiro de uma associação empresarial que tem interesse direto na formação dos preços. Esse cidadão, que é sério e reconhecido tecnicamente, afirmou que a empresa para a qual trabalha vai apresentar um estudo sobre a perspectiva de preço por oferta da energia elétrica no Brasil.
É uma iniciativa importante e este site aplaude. Finalmente, uma luz no fim do túnel. Só que gato subiu no telhado. O tal estudo está sendo feito por uma empresa de consultoria, que, até prova em contrário, é, na visão deste site, a maior defensora dos preços através de modelos computacionais. Aliás, o estudo é apoiado pela CCEE e ONS.
Então, é assim que está pavimentado o nosso caminho em direção à formação de preços. É possível que daqui a 1 bilhão de anos, quando espera-se o Sol vai derreter o Planeta Terra, o modelo de formação de preços por oferta, no Brasil, ainda não tenha sido adotado.
Brincadeiras à parte, até porque daqui 1 bilhão de anos a Terra será apenas areia e pedra, a CCEE também anunciou que vai realizar novos estudos sobre a formação de preços no SEB, utilizando recursos do MME. Esses estudos deverão se iniciar no próximo semestre e deverão ficar prontos no prazo de 30 meses.
Em outras palavras, recomenda-se a quem sonha com o preço por oferta deitar, dormir e viajar no tempo. Na melhor das hipóteses, a depender dos burocratas encastelados no MME, nos órgãos vinculados (Aneel, CCEE, ONS e EPE), nas associações empresariais e em muitas geradoras e comercializadoras, essa mudança, se acontecer um dia, só vai virar realidade lá por volta de 2026. Viva o Brasil.