Mercado pessimista com futuro do ML
Maurício Corrêa, de Brasília —
Em poucas oportunidades, desde que começou a funcionar, os defensores do mercado livre de energia elétrica andaram de farol tão baixo como agora. Nada impede que lá na frente o astral possa melhorar (embora também possa piorar), mas o fato é que entre os agentes existe a péssima sensação de que o ML está andando de lado e que o otimismo que existia no início deste ano foi pelo ralo.
Este site não é adepto do quanto pior, melhor. Ao contrário, neste caso, nunca escondeu que defende a ampliação do ML. Mas também não é defensor da tese de que o bom a gente divulga e o que for inconveniente a gente joga para baixo do tapete. É preciso viver cada momento da realidade. E os tempos atuais para o ML estão bicudos, em termos de expectativas, é preciso reconhecer.
Por exemplo:
No último dia 05 de julho, a diretoria da associação dos comercializadores de energia, a Abraceel, foi recebida em audiência no Ministério de Minas e Energia. A princípio, a reunião seria com o ministro Adolfo Sachsida, mas este de repente ficou impossibilitado, sob o argumento que surgiram compromissos de última hora com congressistas e o presidente da República.
Este site não duvida da palavra do ministro, mas quem tem experiência de trabalho em Brasília sabe o que pode significar, às vezes, essas reuniões repentinas das autoridades setoriais com o presidente da República e congressistas. Em muitos casos, a autoridade simplesmente não quer falar sobre o assunto para o qual a audiência tenha sido marcada. É uma espécie de código.
Neste caso, os diretores da Abraceel foram recebidos então por dois adjuntos: um contra-almirante herdado da gestão militarizada do almirante Bento Albuquerque e pelo secretário-adjunto de Energia Elétrica. Não foi uma boa troca, para uma associação que foi ao MME para pressionar em favor da abertura completa do mercado livre. Seus dirigentes não tiveram culpa, mas foram obrigados a conversar com pessoas que não tomam decisões significativas, ou seja, pura perda de tempo, por mais que digam o contrário.
Um dia antes, os dirigentes da Abraceel tinham sido recebidos por Maurício Tolmasquim e William Nozaki, que trabalham no setor de energia da campanha do ex-presidente Lula. Ambos ouviram respeitosamente os argumentos da associação, mas apenas ouviram. Todo mundo sabe que Tolmasquim é um velho adversário do mercado livre e nunca escondeu a sua preferência pelo mercado cativo das distribuidoras. Lula já se manifestou contra a privatização da Eletrobras e da BR Distribuidora.
Nas gestões petistas, o ML só não deixou de existir por milagre. O ambiente petista é historicamente hostil para os defensores do mercado livre de energia elétrica. Essa conversa não foi exatamente uma perda de tempo, mas quase isso.
É evidente que a associação dos comercializadores (como todas as organizações similares) trabalha legitimamente nos espaços que dispõe, sempre buscando o diálogo e tentando encontrar eventuais brechas e apoios para a sua causa, que é promover o desenvolvimento do ML, utilizando argumentos técnicos. A Abraceel não tem feito outra coisa, em mais de 20 anos, e foi assim que cresceu e se destacou no ambiente das associações empresariais do setor elétrico.
Entretanto, tem sido uma parada dura e em alguns momentos efetivamente deixa o pessoal de farol baixo. Como a própria associação divulgou na semana passada, no dia 08 de julho, última sexta-feira, o Brasil completou 27 anos de existência da Lei 9.074/1995, que inaugurou a abertura do mercado de energia elétrica no Brasil, “uma política pública com enorme potencial para diminuir o preço da conta de luz e beneficiar a população”.
Mas, apesar do trabalho insistente e feito de forma competente, ao longo do tempo, não se consegue sensibilizar quem tem o poder da caneta e não se avança além do espaço que já existe, o que tem sido muito frustrante para os agentes.
“Atualmente, no entanto, só 0,029% dos consumidores brasileiros têm acesso a esse ambiente competitivo de contratação, onde um pequeno conjunto de beneficiados, principalmente grandes empresas industriais e comerciais, tem conseguido reduzir o custo da energia em média 30% ao longo de duas décadas, com reduções de até 50%”, argumenta a associação.
Nas suas contas, embora o ML seja uma realidade em mais de 50 países, entre desenvolvidos e emergentes, no Brasil, entretanto, a possibilidade de acesso a esse benefício permanece inalcançável para 99,97% dos consumidores.
“O atraso vem provocando prejuízos. Um estudo realizado pela Abraceel relevou que, caso o mercado livre de energia já estivesse acessível para todas as categorias de consumidores, de tal forma que representasse 65% do consumo nacional, e não apenas os 36% atuais, os consumidores brasileiros poderiam ter auferido economia de R$ 10 bilhões por ano nos últimos dez anos. Além disso, o Economizômetro da Abraceel mostra que os consumidores livres já economizaram mais de R$ 271 bilhões desde a criação do mercado livre”, diz uma nota divulgada aos associados da Abraceel na sexta-feira passada.
Conversando com alguns agentes, este site percebeu que há pessimismo rondando o segmento do ML, bem diferente da expectativa que havia nos últimos meses, quando se contabilizava como certa a aprovação do PL 414 na Câmara dos Deputados.
Este site site gostaria de não estar exagerando, mas é possível perceber que agora existe um duplo pessimismo. Primeiro porque o PL na melhor das hipóteses poderá talvez ser apreciado e aprovado só no final deste ano, numa janela muito estreita que surgiria após o primeiro turno das eleições.
Além de ser muito difícil, isso levaria à segunda condição, que seria a eventual vitória do ex-presidente Lula na eleição. “No mercado ninguém acredita que o Lula bancará a ampliação do mercado. Ou seja, o PL estaria morto”, admitiu uma fonte credenciada.
O sofrimento por antecipação não acaba aí. Mesmo que Lula perca, não se pode deixar de considerar que deverá ocorrer uma grande renovação entre os integrantes da Câmara dos Deputados.
Isto significa que muito do trabalho cansativo de convencimento de congressistas, feito nos últimos anos, visando à aprovação do PL 414, poderá se perder, levando à necessidade de recomeçar praticamente do zero devido à nova composição da Câmara, com parlamentares que não conhecem o assunto, serão estreantes no mundo de Brasília,etc, etc.
O setor elétrico tem a tradição de evitar expor publicamente as suas divergências internas e prefere resolver certas diferenças sem alguém de fora bisbilhotando, principalmente jornalistas. É algo que vem desde o regime militar.
Nesse contexto, às vezes o fogo amigo é responsável pela confusão.
O site “Paranoá Energia” tem conversado reservadamente com vários agentes e foi possível identificar entre adeptos da ampliação do mercado uma nítida aversão aos colegas que jogaram pela janela o trabalho de muitos anos, e que visava à aprovação, no Congresso, de uma proposta favorável ao PL 414 no curto prazo.
Experientes integrantes de organizações empresariais que operam no âmbito do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase) garantiram ao site que os dirigentes de associações que trabalharam mal e conduziram por conta própria uma desastrada estratégia que levou ao travamento do PL 414 na Câmara dos Deputados, estão, no dia a dia, alijados do trabalho inter-associativo e totalmente isolados. Quando muito, trabalhando sem conexão com as demais associações que se dedicam integralmente à ampliação do ML. Ganharam de presente uma espécie de gelo.
Na superfície, tudo vai muito bem, obrigado. Mas nos bastidores, quem saiu no prejuízo e está vendo anos de trabalho em favor da ampliação do mercado livre se perderem, não perdoou os mais afoitos. É possível que esse descontentamento tenha consequências, inclusive, na própria atuação do Fase.
Uma fonte disse ao “Paranoá Energia” que gostaria que o trabalho associativo do setor elétrico, de agora em diante, se concentrasse apenas em causas tributárias e de meio-ambiente, deixando de lado aspectos estratégicos do próprio SEB, pois “não dá para confiar em todo mundo. Não é culpa do Fase, mas os interesses são difusos e é impossível convergir nos aspectos estratégicos. Então, é melhor a gente trabalhar conjuntamente apenas com assuntos tributários ou de meio-ambiente, nos quais existe praticamente 100% de convergência e as associações falam a mesma língua”.