Papel do Brasil na integração energética da América do Sul
Depois que o Ministério de Minas e Energia recompor a sua equipe e voltar à normalidade na sua agenda técnica, um tema que deverá ocupar espaço é o papel do Brasil na integração energética da América do Sul.
Isso obviamente depende da política externa brasileira. A que era praticada pelo presidente Bolsonaro era extremamente limitada e até mesmo hostil à Argentina, Chile, Colômbia, Venezuela e Bolívia.
Sem entrar no mérito quanto à participação do BNDES, o fato que ninguém pode negar é que o presidente Lula, em poucos dias de Governo, já deu demonstrações que está mudando os caminhos da nossa política internacional. E, nesse novo contexto, a integração energética da região ganhará fôlego.
Um exemplo foi a visita que Lula fez a Argentina, logo após a posse, quando anunciou que o Brasil poderá contribuir para a construção da fase dois do gasoduto que distribui o gás natural extraído dos campos de Vaca Muerta, na Patagônia, trazendo-o para o Sul do Brasil. Isso muda bastante as perspectivas econômicas dos dois países, pois monetiza o insumo argentino e oferece condições para o desenvolvimento do nosso Extremo Sul.
Isso é apenas um projeto. Há muito tempo já se sabe que a região possui experiências de sucesso em sua integração energética, oferecendo ganhos mútuos aos países, viabilizando a troca de informações técnicas e gerando resultados.
Projeto de integração regional maior do que a binacional Itaipu não existe. No momento em que desapareceram as dificuldades geopolíticas entre Brasil e Argentina, em relativamente pouco tempo o projeto binacional com o Paraguai foi viabilizado. Neste ano, aliás, o Brasil liquidará o saldo da dívida que contratou para construir Itaipu.
Os benefícios da integração energética na América do Sul são gigantescos. Além de aumentar a segurança energética entre os países, promove o desenvolvimento econômico, amplia o acesso das pessoas à energia e introduz eficiência nas respectivas economias.
Há inúmeros benefícios, que não dá para citar nesta “Opinião do Editor” de um site dedicado à energia. É tema para uma tese universitária de 500 páginas. Mas, concretamente, existem outras situações que escapam ao cidadão comum, mas que mostram a importância dessa integração.
Por exemplo: deveria estar fazendo muito calor no Cone Sul, mas houve uma queda de temperatura e isso já resulta na redução das exportações de energia elétrica do Brasil para Argentina e Uruguai. Menos energia sendo consumida no ar condicionado.
E todos os países já aprenderam a conviver com essas mudanças. Assim, ciclicamente o fenômeno se repete e dependendo das circunstâncias essas exportações deverão voltar no inverno se as temperaturas forem muito extremas, pois tanto o Uruguai quanto a Argentina precisam de muita energia para calefação das casas, do comércio e das indústrias. O inverno é pesado nos países do Extremo Sul da América do Sul.
Essa é uma vantagem que Brasil, Uruguai e Argentina já estão sabendo usar para garantia de fornecimento em épocas de escassez de energia em seus respectivos territórios.
Um técnico explicou que esses contratos são do tipo interruptíveis, os quais, sendo aplicados com inteligência, evitam a falta ou o desperdício da energia nesses países.
Nas épocas de muito frio ou muito calor, a integração energética já é realizada no Cone Sul há bastante tempo, mas ainda está aquém de todo o seu potencial. Quem lida com o assunto não tem dúvida que, deixando as considerações geopolíticas de lado, as populações só têm a ganhar, pois os políticos e as ideologias passam e as pessoas ficam.
As economias sempre dependem de energia, de preferência a mais barata possível, para serem movimentadas em benefício dos consumidores, sejam falantes de espanhol, português, portunhol, quéchua, mapuche ou garani.
Há um limitador técnico, que são as conversoras, instaladas nas regiões de fronteira, para poder harmonizar a energia que entra com as frequências utilizadas nos países receptores.
Neste aspecto, a Argentina e o Uruguai já usam isso de forma prática e inteligente, aliando a otimização dos seus sistemas com o aproveitamento dos preços relativos entre os países para baixarem os seus preços médios.
O que significa isso? Que a operação inteligente dos sistemas de energia elétrica já está chegando em níveis bastante elevados e esse é um contexto em que o Brasil e os países vizinhos devem aproveitar a onda. As autoridades brasileiras que mexem com a integração possuem conhecimento para desenvolver essa área. Basta existir vontade política, pois não há limite para a integração.
Vale lembrar que o que se conhece hoje como União Europeia, que é um “case” de sucesso, apesar de todos os problemas que eventualmente possam existir, nasceu do sepultamento da rivalidade histórica entre Alemanha e França, que gerou tantas guerras, tantos mortos e tanto prejuízo econômico.
O embrião da União Europeia é a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, fundada em 1951, considerado o primeiro passo para garantir uma paz duradoura na região. Mais tarde, surgiram outros tratados, instituindo novos níveis de cooperação econômica.
Na América do Sul, há muito tempo não existe uma guerra entre os países da região, o que facilita o trabalho diplomático tendo em vista a integração energética. Existem logicamente problemas políticos, que podem ser superados com negociações bem conduzidas, de modo que todos saiam ganhando alguma coisa.
O projeto do Arco Norte, por exemplo, poderia interligar o Brasil (via Amapá e Roraima), à Guiana, Suriname e Guiana Francesa.
Outro exemplo é o projeto de swap de energia entre Paraguai, Argentina e Chile. O Chile é um país que utiliza muita energia térmica e poderia passar a receber energia hídrica do Paraguai, via Argentina. A Argentina também está interessada em ficar com uma fatia da energia gerada por Itaipu, quando for possível alterar o Tratado de Itaipu, lembrando que o excedente pertencente ao Paraguai hoje vem todo para o Brasil.
A própria Bolívia, cuja carga hoje é pequena, poderia receber energia do Sistema Interligado do Brasil, via estado do Mato Grosso, para o suprimento, por exemplo, da próspera região de Santa Cruz de La Sierra, que fica distante cerca de 600 km da fronteira brasileira, em uma região tipicamente de planícies tropicais, onde não há dificuldades insuperáveis para se instalar uma boa linha de transmissão.
A questão boliviana é típica daquele raciocínio: o que vem primeiro: o ovo ou a galinha? Hoje, a carga boliviana é baixa, pois não há grande desenvolvimento e o desenvolvimento econômico é pequeno porque não tem energia disponível.
Existe muita coisa que pode ser feita em termos de integração energética na América do Sul. O sistema elétrico da Argentina, por exemplo, está conectado aos do Paraguai e do Uruguai e também se interconecta com os sistemas do Brasil e do Chile.
O sistema colombiano se liga aos do Equador e da Venezuela. O Equador está eletricamente vinculado à Colômbia e Peru. A Venezuela ao Brasil. Não se pode esquecer que durante muito tempo o estado de Roraima recebeu a energia elétrica produzida pela usina de Guri, na Venezuela. Com a falência do regime chavista/bolivariano, essa conexão automaticamente entrou em crise. O Peru se liga eletricamente ao Equador; o Uruguai à Argentina e Brasil.
No caso do Uruguai, vale lembrar que o país compartilha a energia da usina binacional de Salto Grande com a Argentina. É uma UHE de porte, com 2 mil MW de capacidade instalada.
O que se vê, em síntese, é que existe amplo espaço para fazer a integração energética explodir (no bom sentido) na América do Sul. Em vez de picuinhas e hostilidade entre os países, os dirigentes devem investir na convergência, naquilo que une os povos. E a energia elétrica, seguramente, é uma dessas questões, pois todos estamos no mesmo barco. Sem energia, ninguém vai para a frente. E na região existem todos os recursos disponíveis, principalmente água e gás natural.