O Brasil na era da competitividade
Paulo Pedrosa (*)
A introdução de um ciclo econômico pautado pelo estímulo à inovação e à produtividade é a única alternativa para sairmos da atual crise melhor do que entramos. Essa mudança depende de reformas que incentivem a alocação eficiente de recursos e que encorajem a poupança e o investimento, em particular em setores de prazos longos de maturação, que exigem regras bem definidas, como é o caso da indústria.
Marcado por uma sistemática de proteção governamental garantidora de lucros e de retornos de investimentos, o ciclo hoje em vigor teve início nos anos 1940. É inegável que esse modelo tenha garantido parte significativa do desenvolvimento industrial do País. O problema é que, ao mesmo tempo, desencorajou a inovação, a formação e capital humano e o investimento de longo prazo.
Hoje enfrentamos as consequências dessas opções, como a queda da participação das indústrias no Produto Interno Bruto e na pauta de exportações mundiais. Ao mesmo tempo, assistimos à deterioração das contas nacionais, num quadro de crescentes pressões inflacionárias e elevado déficit público.
A reversão desse cenário depende de um Estado com um papel mais estratégico, com boas condições de diálogo com as diferentes esferas da sociedade. Felizmente, a percepção geral é de que há espaço para esse tipo de melhoria nos próximos meses. Do ponto de vista da indústria grande consumidora de energia, esse diálogo deve ser pautado pela revisão da relação entre o custo da energia e o desenvolvimento social e econômico. O problema é que, apesar da compreensão demonstrada em diferentes momentos pelo governo, essa questão ainda está pendente e é chave nesse processo.
É preciso reduzir custos com a ineficiência do setor e eliminar subsídios cruzados, que ora estimulam o desperdício, ora comportamentos oportunistas de agentes do mercado, sempre em prejuízo dos consumidores e com grave perda para a produção nacional.
É inegável que as pessoas devem ser a prioridade de qualquer política pública, mas diversos estudos questionam até que ponto uma conta de luz mais baixa realmente favorece a melhor qualidade de vida, particularmente se esse baixo custo for obtido mediante valores mais elevados na conta da indústria. Isso porque a energia competitiva para o setor produtivo se traduz em desenvolvimento, emprego e geração de renda, que resultam em benefícios muito mais expressivos para as pessoas que se queria priorizar.
Para se ter uma ideia, pesquisa que a consultoria econômica Ex-Ante acaba de concluir demonstra que a disponibilidade de energia elétrica e gás natural em condições competitivas para a indústria grande consumidora desses insumos pode representar uma diferença de 0,5 pontos percentuais no ritmo de crescimento da economia brasileira na próxima década. O cenário competitivo considerado nessa pesquisa pressupõe a implantação de uma política que equalize os custos da indústria brasileira ao padrão internacional, permitindo uma redução gradativa e consistente do custo do insumo nos setores de alta intensidade energética. A mesma condição é considerada no caso do gás.
A adoção desses cenários representaria reversão do quadro vivido nos últimos anos. Para se ter uma ideia, o preço da energia elétrica para a indústria grande consumidora subiu, em média, 8,9% ao ano no período de 2000 a 2013, enquanto o IPCA (IBGE) teve alta média de 6,5% na mesma base de comparação. No acumulado, a alta dos indicadores foi de, respectivamente, 204% e 127%.
Esse encarecimento excessivo da energia contribuiu com a perda de competitividade dos produtos brasileiros, aumento das importações e consequente perda de produção nacional. Também contribuiu decisivamente para a desaceleração da taxa de investimento do setor produtivo nacional. Afinal, como também demonstra a pesquisa da Ex-Ante, um aumento de 10% no preço da energia elétrica pago pela indústria leva a uma redução imediata de 1,2% na capacidade de investimento do setor produtivo.
O impacto também tem sido percebido pelas famílias, justamente aquelas que se queria beneficiar com a política de redução de custos da energia. Além de sofrerem com o aumento do desemprego e com as consequências macroeconômicas decorrentes da energia cara para a indústria, acabam pagando os impactos do custo excessivo também por meio do custo de produtos e serviços incluídos na cesta básica.
Isso porque o consumo do insumo nas residências corresponde apenas a uma pequena parte do total utilizado pelas famílias: também utilizam eletricidade e gás natural incorporados na produção das mercadorias e serviços que compõe a sua cesta de consumo. Em média, a população brasileira consome duas vezes mais eletricidade por meio de produtos e serviços do que diretamente, em suas residências. No caso do gás natural, a proporção é ainda mais significativa: o consumo indireto por meio de produtos e serviços é quase sete vezes maior do que o uso doméstico em ações como o preparo de alimentos e o aquecimento de água.
Nesse sentido, a pesquisa da Ex-Ante demonstrou que o custo indireto da energia elétrica representa, em média, 20,8% dos custos de construção de um imóvel. É que, embora o gasto direto de energia na construção civil seja relativamente baixo, de apenas 0,45% em média, o setor utiliza diversas matérias-primas cuja produção é energointensiva, como o aço, o cimento e o vidro, e, para cada unidade de energia elétrica consumida nos canteiros de obra, há o consumo de 46,7 unidades na fabricação dos materiais de construção.
A consideração da produção industrial no novo ciclo da economia nacional passa, portanto, pela adoção de mecanismos que garantam a eficiência máxima no setor elétrico, com a retomada dos contratos como instrumentos de proteção contra a variação dos valores cobrados, a transparência de custos e, no limite, a consideração da energia como instrumento de política industrial.
São grandes as intenções, são nobres os objetivos. Colocá-los em prática e garantir a transição do Brasil para um novo ciclo econômico é o que vai garantir espaço para o País ingressar na era da competitividade.
(*) Paulo Pedrosa é presidente executivo da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace)