50 anos do Tratado de Itaipu
A comemoração dos 50 anos de assinatura do Tratado de Itaipu — que viabilizou a construção da gigantesca hidrelétrica — em cerimônia realizada nesta quarta-feira, 26 de abril, em Foz do Iguaçu, serve não apenas para lembrar a obra física da usina binacional, mas, também, o extraordinário trabalho de engenharia diplomática que envolveu o projeto entre Brasil e Paraguai.
A UHE Itaipu é uma prova de como a diplomacia profissional funciona e oferece resultados concretos, embora políticos medíocres e despreparados, de vários partidos, às vezes entendam que sabem mais do que o pessoal formado nas tradições do Instituto Rio Branco.
No caso da UHE Itaipu, era uma situação clássica que apenas a diplomacia poderia resolver e superar as desconfianças seculares que existiam não só entre o Paraguai e o Brasil, mas também entre a Argentina e o Brasil.
Desde o século 19, Brasil e Argentina se enxergaram como inimigos em potencial, um vizinho sempre desconfiando do outro. Quem não se lembra das dezenas de quartéis do Exército brasileiro construídos no estado do Rio do Grande do Sul, exatamente para barrar uma eventual tentativa de invasão por parte da Argentina? Da parte dos hermanos, a doutrina militar era semelhante.
Quando surgiram as primeiras ideias sobre o aproveitamento das águas que deram origem à hidrelétrica de Itaipu, o que não faltou é desconfiança por parte dos argentinos quanto ao risco de inundação que representaria uma usina daquele tamanho, caso houvesse algum tipo de crise armada com o Brasil e este tomasse a decisão de abrir a usina e soltar a água.
Além das questões de segurança, para os argentinos o represamento do rio Paraná poderia provocar também mudanças climáticas, afetando todo o Cone Sul.
A diplomacia entrou em campo e jogou muito bem. Hoje, 50 anos depois, a usina está pronta, a dívida que se contraiu para construí-la está totalmente paga e talvez seja possível dizer que foi o Tratado de Itaipu um dos precursores que levaram, anos depois, ao Mercosul.
Não custa lembrar que, durante todo o período em que o Tratado de Itaipu foi discutido e assinado, o Brasil vivia os momentos mais trágicos da ditadura militar iniciada em 1964. Paradoxalmente, a diplomacia brasileira, durante o regime militar, foi super-atuante e muito criativa e profissional.
O então ministro de Relações Exteriores, Mário Gibson Barbosa, tinha sido enviado a Assunção, durante o Governo Castelo Branco, como embaixador do Brasil. Quando o projeto da binacional entrou na agenda do governo, sabia tudo sobre o país vizinho. Depois, no Governo Médici, foi apenas o terceiro diplomata de carreira a ser indicado para o cargo de chanceler, posto que historicamente era reservado para nomes privilegiados do mundo político ou empresarial.
Ao deixar o cargo, em março de 1974, Gibson Barbosa foi sucedido por Antônio Azeredo da Silveira, que foi um dos mais talentosos chanceleres brasileiros e uma espécie de padrinho de toda a geração brilhante de jovens diplomatas, então no início da carreira, como secretários, que eram chamados de “barbudinhos” do Itamaraty. O hoje assessor especial do presidente Lula, Celso Amorim, foi um deles.
A política externa brasileira que existiu durante o regime militar e que guarda muita semelhança com a que é praticada hoje é reconhecida mundialmente nos manuais da diplomacia. Até mesmo pelas suas contradições. Enquanto internamente os comunistas brasileiros eram cruelmente reprimidos, inclusive com várias mortes, em plena ditadura do general Geisel, o Brasil, sob Azeredo da Silveira, foi o primeiro país do mundo a reconhecer a legitimidade do governo do MPLA, em Angola, em 1975, um país que deixou de ser colônia de Portugal e nasceu comunista.
Geisel e Azeredo da Silveira ousaram ainda mais e foram além. Costuraram em absoluto sigilo o acordo nuclear com a então Alemanha Ocidental, sem passar pelos Estados Unidos. Depois que o projeto foi anunciado, por coincidência, os americanos levaram um susto e soltaram os cachorros em cima do regime militar brasileiro, que era um aliado. Esse fato é considerado uma espécie de causa remota do fim da ditadura.
Enfim, o significado histórico de Itaipu é muito grande. O aniversário de 50 anos poderia talvez ter sido melhor capitalizado pelo Governo. Este site entende que faltou sensibilidade ao Palácio do Planalto para compreender o total significado desse aniversário.
O grande legado da usina é esse. Enquanto um país vizinho contraiu dívida externa e comprou armas, que acabou utilizando numa guerra surrealista (Argentina e o conflito das Malvinas), o Brasil também se endividou pesadamente, mas construiu um paredão de concreto no rio Paraná que eliminou conflitos em potencial e gera pacíficos megawatts, além de outros benefícios, para brasileiros e paraguaios.