Mercado livre e gás: hora de acabar com o atraso
Duas iniciativas anunciadas pelo Ministério de Minas e Energia, nesta semana, mostram que é plenamente possível abrir um crédito de confiança à atual gestão do MME, sob comando do ministro Fernando Bezerra Coelho Filho. Ele assumiu em maio e as suas atitudes revelam que não é mero figurante no cargo e que está disposto a romper o imobilismo de uma Pasta estratégica, depois de 13 anos de domínio petista ou dos seus agregados partidários.
A primeira medida é a abertura de um processo de consulta pública, para que os agentes da sociedade possam se manifestar a respeito de vários aspectos envolvendo a eventual ampliação do mercado livre de energia elétrica. Trata-se de uma mudança enorme no atual modelo do setor elétrico, que vem em bom momento, embora não se pode deixar de reconhecer que o Brasil está muito atrasado em relação ao resto do mundo.
A segunda iniciativa é o seminário que discutirá algumas questões relacionadas com o programa “Gás para Crescer”, a se realizar na sede do MME, em Brasília, na tarde do dia 05 de setembro. Tanto no caso do mercado livre quanto do gás, está claro que o Governo se preocupa com a busca da eficiência na economia e com a redução de custos de energia para os agentes econômicos, como parte de uma estratégia mais ampla de tentar reverter a grave crise em que o País está mergulhado há algum tempo, face à herança maldita deixada pela presidente recentemente cassada.
No caso do gás natural, existem muitas perguntas a serem respondidas e certamente elas surgirão durante o seminário. Por exemplo: o Governo está disposto a bancar a existência de um operador independente para o gás natural, da mesma forma como existe hoje o ONS para a área de energia elétrica? Como passar do modelo atual para o novo modelo, considerando que existem contratos a serem respeitados? Haverá uma política gradual de implementação do novo modelo? É possível compatibilizar, no âmbito do Confaz, as variadas políticas tributárias estaduais aplicadas na comercialização do gás natural, motivo, aliás, de grande parte do atraso atual do setor?
Além disso, as pessoas que pensam neste País estão atentas ao fato se o Brasil vai ser insensato ao ponto de permitir que sejam destruídas as reservas subterrâneas de água mediante a utilização da tecnologia conhecida como “fracking” E se sairão vencedores os argumentos puramente mercantilistas, no sentido que o gás natural existente na terra precisa ser extraído a qualquer custo, mesmo que ameaçando a saúde humana e animal e destruindo as áreas rurais. Será que chegaremos nesse extremo de truculência contra o meio ambiente, as pessoas e os animais? Enfim, existem muitas perguntas a serem respondidas e estas são apenas algumas delas.
Quanto ao mercado livre de energia elétrica, há anos ele patina em torno de uma fatia de 25% do total do mercado. Simplesmente, ficou proibido de crescer, pois os ideólogos petistas não entendem nada de mercados em geral e têm raiva de quem entende. Ficaram parados no tempo e ainda acreditam que o setor elétrico deva ser uma iniciativa exclusiva do poder do Estado. Como praticamente todo o setor industrial de primeira linha (e exportador) está no mercado livre, esses ideólogos tiveram que engolir seco e tolerar essa fatia de 25%. Não puderam acabar com ela, mas também não permitiram que crescesse. Nessa brincadeira ideológica, o Brasil perdeu bilhões de reais em eficiência graças a esse capricho que homenageou o atraso.
A consulta pública é um instrumento adequado para depois tomar uma decisão. Afinal, ao abrir a discussão para a sociedade, o MME recolherá “N” opiniões. Algumas favoráveis, outras contrárias. De qualquer forma, serão opiniões legítimas da sociedade e que darão representatividade ao processo. Outra coisa que já está bastante clara, a partir das manifestações iniciais dos agentes, é que o processo de eventual ampliação do mercado livre deverá respeitar contratos existentes e qualquer decisão deverá contemplar corretamente os interesses de todos os agentes envolvidos, sejam eles distribuidores, geradores, comercializadores ou consumidores.
Em relação ao mercado livre, chegou a hora em que a onça vai beber água. Durante anos, os defensores desse mercado têm declarado que ele é transparente e que só traz benefícios para os que nele se encontram, embora também contemple riscos. Sempre reclamaram das ações do governo em proteção aos distribuidores. Estes, por sua vez, sempre trabalharam fortemente nos bastidores das autoridades do setor elétrico para evitar qualquer tipo de modernização do modelo, alegando que perderiam fatias expressivas do seu mercado com a migração de consumidores para o ambiente livre.
Tudo isso, enfim, ficará suficientemente claro na consulta pública. Quem for contra, que se posicione. Quem for a favor, idem. As autoridades do setor elétrico são suficientemente preparadas, hoje, para tomar decisões corretas e certamente o farão. Com certeza, não repetirão as práticas de outras autoridades, que usaram e abusaram do chamado “embargo de gaveta”, tendo também tomado decisões que sempre favoreceram os adversários do mercado livre.
Mercado livre e gás. Dois segmentos que caracterizam economias modernas. Como acontece em outras áreas, o Brasil se lixou para ambos durante anos. Em ambos os casos, existem argumentos favoráveis e contrários. As discussões que estão sendo abertas permitirão encontrar a dose certa para tocar as duas áreas. Está mais do que na hora de colocar as cartas na mesa e adotar a melhor estratégia para o País, sempre pensando no benefício de sua população e dos consumidores.