O bolo de cenoura e a Cpamp
A contribuição que a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) fará à Consulta Pública 151/23, do Ministério de Minas e Energia, está pronta. Este editor, que procura exercer o velho e bom jornalismo e às vezes sabe das coisas, teve acesso ao documento.
Trata das alterações nos modelos matemáticos de formação de preços para 2024, trabalho que vem sendo desenvolvido e liderado pela Comissão Permanente para Análise de Metodologias e Programas Computacionais do Setor Elétrico (Cpamp).
Essa contribuição é um trabalho bem feito. Tem 11 páginas e será assinado por quatro especialistas da Abraceel, sendo um o vice-presidente de Energia da associação.
Este comentário está sendo feito porque o assunto é emblemático de uma tese que vem sendo colocada por este editor, no site “Paranoá Energia”, há muito tempo. E ninguém se sensibiliza pelo assunto, principalmente aqueles que tomam decisões como funcionários qualificados do governo e congressistas.
Ou seja, há um absoluto desperdício de recursos financeiros, humanos e técnicos na preservação de um modelo matemático de formação de preços na área de energia elétrica, que simplesmente não funciona. Já deu o que tinha que dar. Hora de mudar de página. Só que ninguém faz nada a não ser manter o modelo respirando por aparelhos.
Por que não se pode jogar tudo isso fora e começar de novo, com a mais elementar relação comercial que existe, há centenas de anos? Alguém diz que está sendo vendendo algo por tanto e quem está comprando aceita o preço proposto, pechincha ou busca outro vendedor. É assim que funciona nos mercados e que torna o capitalismo exuberante.
Sem entrar no mérito da contribuição da Abraceel, que, aliás, detona a proposta da Cpamp (em linguagem técnica e de alto nível, mas o fato é que detona), conforme antecipado por este site há poucos dias, ela não pode ser vista isoladamente e tem que ser analisada num contexto.
Para produzir a sua contribuição, a Abraceel não tomou uma decisão isolada. Além de mobilizar a sua equipe técnica, democraticamente, como se espera de uma associação, ouviu os representantes das empresas associadas numa reunião virtual. Dela participaram 190 pessoas. Sabe-se lá por quanto tempo, mas um exército de especialistas de alto nível deixou de fazer o que estava fazendo e foi participar do “call” da Abraceel. Sem contar que é gente altamente especializada, que vem estudando o assunto há muito tempo e refletindo sobre as suas vantagens e desvantagens.
Vejam bem: aqui estamos falando de uma única associação empresarial do setor elétrico. Existem quase 30 por aí, o que, aliás, é outro absurdo, mas é um absurdo privado e em outro momento este site pretende entrar na questão. Esse contexto se repete por outras associações e agentes. É lógico. Da correta aplicação ou não dos programas computacionais na formação de preços do setor elétrico, quem vende e compra energia saberá se vai ganhar ou perder dinheiro. E tudo com base num troço que foi fulminado pela Abraceel. Outros agentes certamente pensam da mesma forma, pois eles conversam entre si e formam uma opinião implacável, embora tenham muitas vezes objetivos estratégicos diferentes.
Diz a contribuição da Abraceel que está sendo formalizada no MME:
“Em síntese, as considerações apresentadas no presente documento mostram que precisam ser realizados estudos mais aprofundados para embasar as sugestões recomendadas, dada a importância e o impacto que as metodologias possuem, deixando o mercado mais confiante quando à eficácia e o bom desempenho das funcionalidades propostas.
“Por não terem sido elaborados estudos individuais considerando todas as dimensões dos impactos que cada uma das metodologias propostas pode ter nos resultados dos modelos energéticos, as análises individuais ficaram prejudicadas, o que suscitou dúvidas ao mercado quanto aos seus benefícios, dado que os resultados não são intuitivos.
‘‘Assim, a Abraceel sugere que sejam realizados aperfeiçoamentos nas metodologias propostas, mais discussões com os agentes e principalmente que essas metodologias sejam testadas individualmente e em diferentes cenários hidrológicos.
‘’Adicionalmente, é salutar que os resultados sejam disponibilizados em tempo suficiente para permitir uma análise mais completa pelos agentes, para que assim possam contribuir com efetividade para a otimização da operação do SIN via modelos energéticos’’.
Quando se traduz essa empolada linguagem tecnocrática para a língua portuguesa, o que se lê infelizmente é: “Cpamp, a sua proposta é uma m…”.
Não é culpa da Cpamp, é bom esclarecer. A comissão faz o que pode pode, pois é obrigada a cavalgar um modelo que não foi criado por ela. Ela é simplesmente produto das aberrações que surgiram no modelo ao longo de muitos anos.
Talvez nem seja possível atribuir uma culpa a alguém. É culpa de um sistema. O fato é que é se tem um modelo esclerosado, mais emendado do que a Constituição Federal, e que não consegue jamais responder à questão mais simples: se você tem um triturador e enfia cenoura numa ponta, vai sair cenoura triturada na outra ponta. No SEB, não é assim.
No caso dos modelos matemáticos de formação de preço da energia elétrica, no Brasil, enfia-se cenoura numa ponta e na outra sai pepino, beterraba ou batata, menos cenoura. Com essa alegoria, para dar um gostinho ao texto, o editor quer dizer que nesses programas não se consegue enfiar dados corretos na programação. Aí vira uma zona e leva à situação caótica de hoje, em que os programas matemáticos do Cepel/ONS/Cpamp/consultores estão completamente desmoralizados. O Brasil é um país tão complexo que consegue desmoralizar até a Matemática.
Os gênios matemáticos do Cepel, das consultorias, da Cpamp, das empresas e das associações empresariais como a Abraceel fazem de tudo para fazer com que no triturador do SEB entre cenoura e saia cenoura. Mas não tem jeito.
O que vai acontecer? Provavelmente, diante da recusa dos agentes, a Cpamp vai contratar uma consultoria para ajudar a resolver o problema, pois assim tem sido há anos.
Será premiado com um bolo de cenoura quem adivinhar o nome da consultoria que vai ganhar o novo contrato para não resolver a confusão.