Convergência energética
Reive Barros (*)
As mudanças climáticas serão cada vez mais intensas com impactos importantes em todas as regiões do mundo.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o mundo deve se preparar para ondas de calor cada vez mais intensas. O especialista Jonh Nairn, da Organização Meteorológica Mundial, órgão vinculado à ONU, afirmou que “o fenômeno El Niño vai apenas amplificar a incidência e intensidade de ondas de calor estremas”.
De fato, as ondas de calor provocam o aquecimento das temperaturas no hemisfério norte com impacto mais visível no número de queimadas que seguidamente ocorrem na Europa e nos Estados Unidos, durante o verão.
Atualmente, as temperaturas estão atingindo patamares acima dos 40°C na Europa, com um recorde verificado na China com exatos 52°C. No outro extremo, observa-se que os invernos têm sido muito rigorosos. A crescente frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos apresenta grandes riscos para a segurança do abastecimento de energia, além do aumento da demanda por refrigeração e/ou aquecimento.
Todos esses fenômenos são previsíveis e foram levados em consideração no Acordo de Paris, determinando que os países desenvolvidos deverão investir US$ 100 bilhões por ano em medidas de combate à mudança do clima e adaptação em países em desenvolvimento, com o objetivo de reduzir as emissões de gases de efeito estufa para limitar, até o final do século, o aumento médio de temperatura global abaixo dos 2°C (se possível, a um limite de 1,5°C), quando comparado a níveis pré-industriais.
Para se ter uma ideia do desafio da redução de emissão de CO² no mundo, segundo o Balanço Energético Nacional (BEN – 2023) elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), as emissões de CO² per capita (2020) em t CO²/ hab, ocorridas para a produção e consumo de energia, corresponderam em média, para cada brasileiro, o equivalente a 14,5% de um americano, 36% de um europeu e 26% de um chinês. Ou seja, todos têm responsabilidade de reduzir significativamente as emissões, notadamente na Europa, Estados Unidos e China.
As energias renováveis devem responder por mais de 90% da expansão da capacidade global de eletricidade impulsionada principalmente pela China, União Europeia, Estados Unidos e Índia, que estão implementando políticas existentes e reformas regulatórias e de mercado, ao mesmo tempo em que introduzem novas políticas, de forma rápida, em reação à crise energética.
Segundo o diretor geral da Agência Internacional de Energia Renováveis (Irena), Francesco La Camera, a transição energética global “está fora dos trilhos”, agravada pelos efeitos das crises globais – em um primeiro momento, a pandemia do Covid 19 e, na sequência, a Guerra na Ucrânia.
Esses dois fatos expuseram fragilidades no que diz respeito à segurança alimentar e à segurança energética. Ainda de acordo com La Camera, haverá necessidade de uma correção na transição energética, com expressivos investimentos em tecnologias da ordem de US$ 1,3 trilhão em 2022 e com previsão de quadruplicar para mais de US$ 5 trilhões, a fim de assegurar o cumprimento da meta de 1,5°C. Os recursos acumulados deverão chegar a US$ 44 trilhões em 2030.
O Brasil poderá ter um papel importante nessas duas grandes questões que afligem o mundo atualmente. No que se refere à segurança alimentar, o agronegócio brasileiro devidamente estruturado vem batendo recordes em exportação, com condições de assumir a liderança no Setor.
Quanto à segurança energética, vislumbra-se uma grande oportunidade para exportação de petróleo, gás e biocombustíveis, além da exportação de hidrogênio e derivados, provenientes de fontes renováveis.
Para se obter a segurança energética durante a transição, é fundamental o aproveitamento de todas as fontes de geração, com a utilização de combustíveis fósseis e de energias renováveis, diversificadas e limpas, além de armazenamento de energia, investimento em flexibilidade e nas múltiplas opções da cadeia de suprimento energético, que garantem a segurança energética imprescindível para a obtenção do crescimento do País.
Segundo relatório de Geração da Aneel, o Brasil tem uma capacidade instalada de 193,9 GW e as fontes renováveis correspondem a 83,6% da Matriz Elétrica, com previsão de se atingir, aproximadamente, 200 GW de usinas em operação, até o final de 2023. O setor energético foi responsável por 18% das emissões brasileiras em 2021.
O grande desafio, portanto, é gerenciar a oferta de fontes de geração de energia, devido ao grande potencial disponível, cabendo ao Ministério de Minas e Energia (MME) definir os quantitativos por fonte, precificando os principais atributos e, mediante um processo competitivo, assegurar um menor custo para o consumidor.
O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2031) prevê uma oferta de geração da ordem de 275 GW, ampliando a oferta de fontes renováveis para 87%.
De acordo com dados da Aneel, foram outorgada, até julho de 2023, 348,6 GW de usinas com fontes renováveis que buscam obter o benefício de desconto de 50% nas tarifas de distribuição e transmissão.
Como pode ser observado, é uma oferta muito superior à necessidade do País para os próximos 10 anos só em geração renováveis, sem considerar as demais fontes disponíveis, que também têm atributos importantes para constar na Matriz Elétrica Brasileira.
Desse modo, resta direcionar todo esse potencial disponível para o mercado externo, através da exportação de energia renovável com a produção de hidrogênio e amônia para os demais países, notadamente, para o continente europeu. É mais uma oportunidade para a Região Nordeste, que já vêm desenvolvendo projetos com esse objetivo, com destaque para os estados do Ceará, Piauí, Bahia e Pernambuco.
É importante destacar que a ampliação da geração eólica e solar conforme está sendo projetada vai necessitar de geração hidráulica, térmica e/ou armazenamento de energia para firmar essas fontes, uma vez que são intermitentes, ou seja, elas produzem energia e necessitam de geração de potência. Para cada 3 GW de energia de fontes intermitentes, será necessário um 1 GW de potência.
A transição energética está sendo feita através da utilização de fontes renováveis, principalmente, com geração eólica, solar, hidráulica e biocombustíveis, que são alternativas menos intensivas em carbono e mais sustentáveis. Nesse sentido, faz-se necessário buscar alternativas para redução das emissões de gases de efeito estufa e de soluções mitigadoras, como a convergência energética para ampliar o conceito de descarbonização.
A convergência energética com base em descarbonização refere-se a uma transição global em direção a fontes de energia mais limpas e sustentáveis, buscando reduzir as emissões de gases de efeito estufa e combater as mudanças climáticas.
Consiste na integração de diversas fontes de energia e tecnologias para atender às necessidades energéticas da sociedade. Nesse contexto, a descarbonização está intimamente ligada ao uso crescente de fontes de energia renovável, como energia solar, eólica, hidrelétrica e biomassa. Essas fontes não emitem CO² durante a geração de eletricidade, tornando-as uma alternativa sustentável.
A convergência energética consiste em neutralizar as emissões de CO² da geração térmica necessária para adicionar potência ao sistema em complemento às fontes intermitentes. Ou seja, em um conceito mais amplo, utilizar alternativas que venham a compensar toda a emissão de carbono, proveniente das atividades de geração de energia, industriais, transportes etc.
Para alcançar uma convergência energética de forma satisfatória e com base em descarbonização, são necessárias ações coordenadas e políticas eficientes em nível global e nacional. Isso inclui incentivos para investimentos em tecnologias de baixa emissão de carbono, penalizações para emissões excessivas de CO² e o estabelecimento de metas ambiciosas de redução de emissões.
A convergência energética possibilita que todas as fontes de geração de energia sejam utilizadas mediante a compensação com alternativas de mitigação, tais como a utilização de créditos de carbono e reflorestamento e recuperação de áreas degradadas, para efetivamente zerar suas emissões de CO² no Setor Energético Brasileiro.
O conceito da convergência energética considera que todas as fontes de geração de energia podem ser utilizadas com zero emissão de carbono, desde que sejam contabilizados os valores emitidos com os valores compensados.
É importante que haja investimentos para as alternativas de mitigação, através do desenvolvimento do mercado crédito de carbono e de reflorestamento. Para tanto, será necessário estruturar o fundo verde para financiamento da transição energética, a exemplo dos “bônus verdes”, que se propõem a financiar projetos que contribuam para o desenvolvimento sustentável.
Em síntese, é imprescindível que empresas, governos e a sociedade em geral se envolvam ativamente na transição energética para garantir um futuro mais sustentável, com uma matriz energética limpa e eficiente, contribuindo para a preservação do meio ambiente e a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.
(*) Reive Barros é diretor da Acrópolis Energia. Professor e engenheiro eletricista, tem uma carreira de sucesso no setor elétrico brasileiro, tendo ocupado os cargos de secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do MME, presidente da EPE, diretor da Aneel e diretor da Chesf.