O TCU manda no setor elétrico
O nome do TCU é Tribunal de Contas da União. Ou seja, existe para examinar as contas dos dirigentes públicos responsáveis pela União.
Mas o tempo foi passando, foi passando e o TCU foi assumindo cada vez mais funções. Hoje se intromete em absolutamente tudo, mesmo em situações que não dizem respeito às contas da União.
Forçando um pouco o raciocínio, não seria exagero dizer que quem manda no Brasil não é o Governo e tampouco o Centrão ou o STF. É o TCU.
No site, o TCU se assume como “o órgão de controle externo do governo federal e auxilia o Congresso Nacional na missão de acompanhar a execução orçamentária e financeira do país”. Já foi o tempo em que o TCU apenas examinava as contas das autoridades federais.
Em relação ao setor elétrico, o TCU deita e rola. Basta entrar no mecanismo de buscas deste site (que funciona razoavelmente) e ver em quanta notícia sobre o SEB o TCU se intrometeu nos últimos meses, em situações que não dizem respeito às contas dos dirigentes.
Por exemplo: o tribunal aprovou recentemente a renovação de outorgas de hidrelétricas da paranaense Copel. Meses atrás, aprovou um acordo com uma geradora turca complicada chamada KPS, que ancorou barcos-usinas na baía de Guanabara e teve alguns problemas regulatórios.
Descobriu-se que os auditores do TCU (que ganham muito bem, obrigado) entendem incrivelmente de energia elétrica. E o TCU, não podia deixar de ser, detonou a governança do setor elétrico. Curiosamente, o tribunal de contas também sugeriu um plano para a crise hídrica, pois de repente descobriu-se que seus auditores são igualmente especialistas em hidrologia. É por isso que ganham bem: têm conhecimento enciclopédico, sabem de tudo.
Como não poderia deixar de ser, o TCU trabalhou muito quando surgiu a proposta do governo Bolsonaro de privatizar a Eletrobras. O tribunal aprovou a proposta e a holding estatal do setor elétrico foi transferida para a iniciativa particular, algo, por sinal, que o atual governo quer reverter.
O TCU é tão onisciente e onipresente, que, quando o economista Adriano Pires foi indicado para presidente da Petrobras, o tribunal simplesmente entrou na jogada e pediu que ele não assumisse, pois havia indicativos de conflito de interesse.
Pires, que não é bobo, achou mais prudente continuar com a sua empresa de consultoria, do que entrar no cipoal da Petrobras, onde certamente se transformaria em alvo de muita gente. Inclusive do TCU.
Este site está fazendo um longo nariz de cera apenas para chegar a outra situação estranha, dos dias de hoje, envolvendo o TCU e o setor elétrico, que é o mandato do diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Sandoval Feitosa.
Na festa do 25º aniversário da comercializadora Tradener, realizada em Curitiba neste sábado, 26 de agosto, a situação de Sandoval (que estava discretamente presente ao evento) foi bastante comentada nos bastidores. Todo mundo queria saber: e o TCU? Cassa ou não cassa o mandato do Sandoval?
Sob o ponto de vista institucional é muito constrangedor, mas infelizmente, chegamos nessa situação no Brasil. O TCU, que existe para auxiliar o Congresso Nacional na missão de acompanhar a execução orçamentária e financeira do país, pode simplesmente determinar o fim do mandato atual do diretor-geral da Aneel, algo que não lhe diz respeito.
Essa decisão pode ser tomada por vias tortas, por tabela. Como se diz no jargão jurídico, por jurisprudência. Existe um processo em tramitação no TCU, que trata do mandato atual de Carlos Baigorri na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), onde é presidente, um cargo análogo ao que ocupa Sandoval na Aneel.
O relator do processo, ministro Walton Alencar, apresentou voto que reduz o mandato de Baigorri. Foi feito um pedido de vistas e o voto do relator deverá ser examinado provavelmente em dois ou três meses.
Só que, se Baigorri, tiver o mandato reduzido na Anatel, a decisão será aplicada também a Sandoval Feitosa, na Aneel, pois são casos semelhantes. Simplesmente, é tudo o que o Governo quer e é aí que mora o perigo.
O TCU está vinculado ao Congresso. Vários de seus ministros são ex-congressistas. E todo mundo que transita na Esplanada dos Ministérios sabe que a cúpula do TCU tem ótimas relações com o senador Renan Calheiros, que por sua vez, é articuladíssimo com o Palácio do Planalto e o PT. As más línguas da política dizem que quem manda no TCU é o poderoso Calheiros.
Ora, todo mundo também sabe que o PT não engole a permanência de Sandoval Feitosa no cargo de diretor-geral da Aneel. E que o partido gostaria muito de colocar no lugar de Sandoval alguém que fosse se possível totalmente identificado com o PT, como nos tempos de Nelson Hubner, quando a agência praticamente virou um puxadinho do Ministério de Minas e Energia.
Esse é o mundinho de Brasília. Dá-se uma volta danada para se chegar ao ponto principal, que é o fato que o PT nunca teve a menor simpatia pela autonomia das agências reguladoras. Desde o início do primeiro mandato do presidente Lula, o PT só pensa naquilo: enquadrar as agências reguladoras nas decisões do Poder Executivo.
Via TCU, agora, com uma tacada só, pretende acertar na caçapa os mandatos dos dirigentes principais da Anatel e da Aneel, contribuindo para aumentar a insegurança jurídica no País.
Afinal, não cabe às agências zelar pelo cumprimento dos contratos de concessão? Que agente econômico vai confiar numa agência reguladora em que nem o diretor-geral tem segurança para trabalhar?
Já se disse mais de uma vez que este site deveria mudar de nome e, em vez de Paranoá Energia, deveria se chamar Paranóia Energia, pois muitas vezes vê situações que não correspondem à realidade. Provavelmente, aqueles que nos governam poderão dizer que o tema desta “opinião do editor” é uma dessas situações exageradas pelo site.
Pode ser. Mas como este editor é um idoso que já viu muita coisa e sabe que, em Brasília, as coisas são assim mesmo, um pouco misteriosas, prefere botar a barba de molho.
Como se diz no interior de Minas, governo, qualquer governo, é um perigo. É melhor ficar longe dele, só observando, pois se tem um negócio que entende de maldade é o tal do governo.
Os caipiras mineiros, que conhecem bem como funciona o mundo, sabem das coisas.