Aneel nega medida cautelar para Jirau
Poucos países podem se orgulhar, como o Brasil, de ter um profissional como Victor Paranhos. Engenheiro mecânico, economista e atuário, ele é um barrageiro histórico, tendo participado dos projetos que resultaram na edificação das hidrelétricas de Machadinho, Itá, Cana Brava, Serra da Mesa e Estreito. Desde 2008, trabalha à frente do consórcio que está terminando a construção da UHE Jirau, como executivo do Grupo Engie (antiga Tractebel).
Esse mesmo homem, que passou grande parte da vida no meio do mato, enfrentou malária, domou rios, construiu barragens na selva e sobretudo teve que lidar com milhares de peões de obra, vindos de todos os estados brasileiros e até mesmo de outros países, estava meio desanimado nesta terça-feira, 20 de setembro, em Brasília, face a insensibilidade da burocracia estatal.
Não reclamou de ninguém, mas, mesmo educado, não conseguia esconder a sua frustração e perplexidade com uma decisão da diretoria colegiada da Aneel, que indeferiu um pedido de medida cautelar feito pela UHE Jirau relativamente às garantias financeiras do mercado de curto prazo, que precisará fazer nesta quinta-feira, dia 22 de setembro, junto à CCEE, no valor de R$ 60 milhões. Limitou-se a dizer aos jornalistas que vai conversar com os acionistas controladores para tentar encontrar uma solução.
A UHE Jirau tem sido insistentemente cobrada para cobrir as suas responsabilidades. A empresa nunca se negou a fazê-lo. À Aneel, porém, lembrou que cinco distribuidoras (Eletroacre, do Acre; Amazonas Energia, de Manaus; Ceal, de Alagoas; Cepisa, do Piauí; e CEA, do Amapa) compraram a energia produzida por Jirau e simplesmente deram um cano que, em valores corrigidos, chega hoje a R$ 40 milhões.
Um encontro de contas, na visão da UHE Jirau, era mais do que razoável. Na medida cautelar interposta junto à Aneel, a geradora sugeriu até mesmo fazer um aporte parcial das garantias financeiras na CCEE, descontando os valores do calote aplicado pelas distribuidoras.
Burocraticamente, a diretoria da Aneel se limitou a dizer não, sob o argumento que não poderia abrir esse tipo de precedente. “Apesar da solução proposta pela ESBR — razão social da UHE Jirau — parecer viável, é altamente indesejável a possibilidade de contaminação do ambiente do MCP com o risco de inadimplência oriundo de contratos bilaterais de longo prazo. Assim, somente em caso de extrema necessidade caberia à Aneel liberar um agente da obrigação de aporte de garantias pelos motivos apresentados, sob risco da criação de precedentes que, com o passar do tempo, teriam o potencial de paralisar o MCP, envolvendo montantes muito superiores aos valores em discussão”, alegou o diretor Reive Barros, da agência, no que foi seguido pelos diretores Romeu Rufino e André Pepitone. Outros dois diretores, Tiago de Barros Correia e José Jurhosa, não participaram da reunião.
Este site faz a pergunta que Victor Paranhos não pode fazer: por que razão as distribuidoras são tão protegidas pelo Estado, principalmente essas que estão inadimplentes perante a UHE Jirau? Se qualquer agente do mercado der um calote, está lascado. Mas se for uma distribuidora, não acontece absolutamente nada. A vida segue em frente, com tranquilidade, durante anos. Ninguém é punido. Um exemplo está aí, que é a Celg. Excelente empresa, com ótimo mercado e que, no entanto, foi simplesmente quebrada pelos gestores indicados pelo antigo controlador, o Governo de Goiás, durante anos e anos.
Nunca aconteceu nada com a empresa, que será agora leiloada, mas que teve que passar por uma gestão da Eletrobras, para que os consumidores goianos não ficassem sem energia. Este site gostaria de saber se alguma coisa aconteceu com os antigos gestores da Celg. Provavelmente nada. É possível até que alguns tenham virado deputados federais ou estaduais ou prefeitos. A mesma pergunta se aplica aos antigos dirigentes da Eletroacre, da Ceal, da Cepisa, da Amazonas Energia e da CEA.
É verdade que energia elétrica é algo tão importante na vida das pessoas que os consumidores não podem ficar sem acesso ao serviço, tendo pago as contas. Mas seria interessante o Estado — que só protege as concessionárias de distribuição, principalmente se forem estatais — tomar outras atitudes. Não importa se a distribuidora é pública ou privada. Ela não pode é sair por aí, dando o cano. Aliás, o Grupo Rede quebrou e era um grupo de distribuidoras privadas. Sofreu intervenção da Aneel e teve o controle assumido pelo Grupo Energisa.
Essas cinco distribuidoras que deram o calote na UHE Jirau somente serão privatizadas, ainda, no ano que vem. Ou seja, ainda vai passar muita água debaixo da ponte e é possível até que, no momento final, precisando de alguns votinhos no Congressos, o presidente da República ceda à chantagem de bancadas partidárias medíocres e jogue para baixo do tapete a proposta de privatização dessas distribuidoras. Infelizmente, esperamos que não, mas pode acontecer.