Nova Rota da Seda da China foca em renováveis
Da Redação, em Brasília (com apoio do Instituto Clima Info) —
O3º Fórum da Nova Rota da Seda –ou Cinturão e Rota para Cooperação Internacional da China, BRI, como é conhecido mundialmente, realizado em Pequim, em 17 e 18 de outubro, foi encerrado com apelos por um “desenvolvimento verde” global. De fato, o primeiro semestre de 2023 foi o mais verde em qualquer período de seis meses desde o início da BRI em 2013, segundo dados do Green Finance & Development Center. Nos primeiros seis meses deste ano, cerca de 41% do engajamento energético da China em projetos internacionais foi em solar e eólica e cerca de 14% em energia hidrelétrica.
Em dez anos, a Nova Rota da Seda da China investiu mais de US$ 1 trilhão em múltiplos projetos de infraestrutura no exterior, mas uma boa parte deste montante foi para energia suja e grandes obras com impactos para o ambiente. Diretrizes verdes para novas alocações de recursos têm o potencial de isolar ainda mais o protagonismo da China na transição energética global na qual o país asiático já é o principal ator.
“Com as contribuições da Iniciativa Belt and Road, podemos transformar a emergência de infraestrutura em uma oportunidade de infraestrutura, impulsionar a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e proporcionar esperança e progresso para bilhões de pessoas e para o planeta que compartilhamos”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, durante o evento em Pequim.
Os investimentos totais em energia da BRI atingiram US$ 12,3 bilhões na primeira metade do ano, mesmo nível do primeiro semestre de 2022, mas cerca de 40% menos do que foram em 2019, quando atingiram quase US$ 20 bilhões nos primeiros seis meses. Os projetos agora são menores e mais baratos, e essa queda coincide com novos compromissos climáticos chineses de não financiar projetos de carvão no exterior, crescentes tensões geopolíticas com os EUA, aumento do protecionismo e das taxas de juros globais, combinados com o endividamento de muitas nações parceiras da BRI.
Ao mesmo tempo, o envolvimento total da China em renováveis no exterior aumentou para cerca de US$ 4,8 bilhões no primeiro semestre deste ano, contra US$ 3,8 bilhões no mesmo período do ano passado.
As empresas privadas (POEs) têm sido centrais para a atuação chinesa no setor de renováveis no exterior. Embora menores em tamanho geral do que as empresas estatais (SOEs), cerca de 60% de seus investimentos foram em renováveis – solar fotovoltaica, eólica onshore e offshore e energia hidrelétrica –, conforme dados do World Resources Institute (WRI), na tabela abaixo.
Um exemplo são Longi e Jingko, as principais fabricantes de módulos solares, que instalaram fábricas na Malásia e Vietnã, onde estão contratando e treinando trabalhadores locais. A tendência de instalação de indústrias chinesas no exterior para a cadeia de renováveis deve se intensificar nos próximos anos, segundo analistas.
“O crescimento da capacidade de fabricação de equipamentos de energia limpa da China no Sudeste Asiático transformou rapidamente o Sudeste Asiático no segundo maior centro de fabricação de energia fotovoltaica (PV) do mundo, com uma capacidade de produção de módulos PV de quase 60 GW”, constata Xiaojun Wang, diretor executivo da ONG People of Asia for Climate Solutions.
Wang ressalta que muitos dos países que recebem investimentos da BRI são nações em desenvolvimento que precisam de fornecimento de energia e, ao mesmo tempo, sofrem graves impactos climáticos. “À medida que essas nações em desenvolvimento se esforçam para se libertar do ciclo vicioso da vulnerabilidade climática, da volatilidade do preço do gás e da dependência excessiva de projetos de combustíveis fósseis, a China tem a oportunidade de oferecer maior ajuda para facilitar sua transição para fontes de energia sustentáveis e verdes.”
“A produção localizada de uma parte considerável de equipamentos de tecnologia limpa na Asean [Associação de Nações do Sudeste Asiático] pode otimizar cadeias de suprimentos industriais regionais, reduzir os custos e promover a transformação da energia limpa”, explica Muyi Yang, diretor associado para o programa de Energia Limpa do Asia Society Policy Institute.
“Além disso, pode aprimorar os setores da Asean e obter uma melhor integração regional da economia asiática. Por exemplo, a produção localizada de equipamentos solares flutuantes na ASEAN pode reduzir os custos de importação e transporte no exterior”, avalia Yang.
Esverdeamento
Entre os indicativos de que a Nova Rota da Seda envereda por um caminho verde está o recém-lançado white paper da BRI, que afirma que a próxima fase da iniciativa se aterá a conceitos verdes e de sustentabilidade. Ao mesmo tempo, as Diretrizes de Finanças Verdes da China passaram por uma reforma e agora determinam que os bancos e seguradoras chineses integrem indicadores ESG para apoiar investimentos estrangeiros de baixo carbono. E a Coalizão Internacional de Desenvolvimento Verde da BRI emitiu uma recomendação política passo a passo para que empresas, credores e investidores do país asiático aprimorem o gerenciamento do impacto ambiental em todo o ciclo de vida de seus projetos.
“Vemos o conceito verde sendo institucionalizado em mecanismos de financiamento no exterior. Eles [os chineses] estão desenvolvendo práticas de investimento sustentável. Por exemplo, muitos dos fundos de investimento no exterior (COIFs) da China têm protótipos de sistemas de gestão ambiental em vigor. E a Diretriz de Finanças Verdes da China, liderada pela antiga Comissão Reguladora de Bancos e Seguros da China (agora incorporada à recém-criada Administração Nacional de Regulamentação Financeira), baseou-se na experiência chinesa com empréstimos verdes. Ela agora exige a integração de ESG para os bancos e seguradoras chineses e apoia investimentos estrangeiros de baixo carbono”, explica Shuang Liu, diretor de Finanças do WRI China.
“O nível de integração de ESG ou sua integridade varia entre os bancos ou Coifss. Ainda são necessárias melhorias por meio da comparação com as melhores práticas e padrões internacionais em cada estágio dos ciclos de vida do projeto, conforme sugerido pela recomendação de política da Coalizão Internacional de Desenvolvimento Verde da BRI”, avalia Liu.
Minerais essenciais
A concretização de políticas de sustentabilidade para grandes projetos pode ser decisiva no momento em que a China intensifica seus investimentos em países africanos, sul-americanos e asiáticos ricos em recursos naturais. O engajamento no setor de metais, petróleo e gás e minerais raros cresceu 131% este ano, em comparação com o primeiro semestre de 2022. Em relação aos minerais essenciais para a transição energética, Bolívia (+820%), Namíbia (+457%), Eritreia (+359%), Tanzânia (+347%) e Camboja (+230%) lideram o crescimento do investimento da BRI.
A China já controla uma parcela significativa das fontes globais de mineração – já detém mais de 50% da capacidade global de materiais cruciais, como lítio, níquel, cobalto e grafite, e vem expandindo sua mineração e processamento de lítio e cobre. Nos últimos seis meses, empresas chinesas adquiriram parte de uma mina de lítio no Mali, um contrato de usina de processamento de cobre na Arábia Saudita e colocaram em funcionamento uma usina de processamento de lítio no Zimbábue.
“Os primeiros seis meses de 2023 registraram o maior número de investimentos em energia verde nos países da Iniciativa do Cinturão e Rota. No espaço industrial verde mais amplo, as empresas chinesas investiram pesadamente nos países que fazem parte da BRI. Isso inclui a fabricação de baterias, peças para carros elétricos, mineração de metais de transição e transporte público”, descreve Christoph Nedopil Wang, diretor e professor do Griffith University Asia Institute, na Austrália.
“Ao mesmo tempo, são necessários mais investimentos em todo o mundo para a transição econômica verde. Idealmente, essa transição pode ser acelerada por meio da colaboração internacional e da aplicação de padrões ambientais mais rígidos, por exemplo, na mineração e no processamento. E a China pode desempenhar um papel determinante no apoio a essa transição por meio de tecnologia e investimentos”, completa Wang, que também é diretor e fundador do Centro de Finanças e Desenvolvimento Verdes da Universidade de Fudan, em Xangai.