Diplomata do setor elétrico, Mário Menel está otimista com mudanças

Foto: Abiape
Maurício Corrêa, de Brasília —
Aos 71 anos de idade e com 48 anos de dedicação à energia elétrica, Mário Luiz Menel da Cunha saiu de uma reunião no Ministério de Minas e Energia, nesta terça-feira, 27 de setembro, às 9 e 15 da noite. Às 7 e 45 da manhã do dia seguinte já estava em seu escritório, despachando normalmente. Ele acha que vale a pena trabalhar tanto assim: “O Brasil passa por um momento extremamente importante, de definição das regras que vão balizar o setor elétrico nos próximos anos. Já vi muita água passar sob a ponte, mas agora é um instante especial, em que praticamente estamos construindo um novo modelo e para mim é uma honra muito grande poder oferecer alguma contribuição nesse sentido”, afirmou.
A reunião no MME foi com o secretário-executivo Paulo Pedrosa e dela também participaram Nelson Leite e Marcos Delgado, diretores da associação dos distribuidores, a Abradee, e Guilherme Velho, dirigente da associação dos produtores independentes, a Apine. Menel participou na dupla condição de presidente da associação dos autoprodutores, a Abiape, e do Fórum das Associações do Setor Elétrico, o Fase.
Mário Menel milita no ambiente das associações há muito tempo, desde que elas começaram a surgir, em meados dos anos 90. Conhece como poucos o setor elétrico brasileiro e pode-se dizer que existe unanimidade em torno da percepção que ele é um interlocutor de primeira linha, extremamente habilidoso em conduzir reuniões e colocar em discussão os assuntos mais complexos da agenda. É possível que se não fosse um engenheiro eletricista, ficaria bem no papel de um diplomata. Aliás, ele é considerado o grande diplomata do setor elétrico brasileiro.
Nascido em Rio Negro, no Paraná, justamente na divisa com Santa Catarina, acompanhou os pais na mudança para Florianópolis, com sete anos de idade. Do pai, engenheiro de terras que trabalhava em um órgão que hoje seria o Incra, herdou o gosto pela Engenharia. E formou-se na primeira turma da Elétrica, na Universidade Federal de Santa Catarina, em 1968. Começou a trabalhar ainda como estagiário, na Celesc, em 1966, e ali fez carreira, aposentando-se na empresa em 1992, embora ao longo do período tenha sido cedido a várias organizações públicas.
Organizado, disciplinado, um cartesiano clássico, Menel foi professor durante seis anos no curso básico da UFSC. Chegou em Brasília em janeiro de 1978, cedido pela Celesc para trabalhar na extinta Cia. Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras (Caeeb), uma estatal federal que fornecia mão-de-obra qualificada para o setor como um todo. A Caeeb foi extinta na efêmera gestão do presidente Fernando Collor.
Chegando em Brasília, trabalhou durante um ano no Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, o Dnaee, órgão que antecedeu a Aneel. Em 1979, voltou para Florianópolis e aos 33 anos de idade virou diretor da Celesc, ocupando cargos na diretoria durante as gestões dos governadores Jorge Bornhausen e Esperidião Amin. Em 1984, estava novamente no Dnaee, de volta ao mundo de Brasília, onde fixou residência. No período Collor (e também durante um curto tempo na gestão do presidente Itamar), foi diretor-geral do Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS).
Ainda nessa fase de vínculos com o Estado, acompanhou de perto as dificuldades geradas pelo racionamento de 1987 e 1988. Essa experiência foi importante para ele, alguns anos depois, na crise de abastecimento de 2001/2002, já como consultor, quando muitas de suas opiniões foram levadas em consideração pelo Governo da época.
Houve um conjunto de situações que mudaram radicalmente a vida profissional de Mário Menel, quando se aposentou e virou consultor de empresas. Com o setor elétrico em crise profunda, devido às crescentes dificuldades financeiras do Estado (praticamente, era tudo estatizado), começaram a surgir as discussões quanto à necessidade de se privatizar. “Vislumbrei então um nicho de mercado de trabalho. A nossa experiência era toda estatal e o novo setor privado precisaria de interlocutores para lidar com o mundo político e os técnicos do Governo”, explicou.
Nesse vácuo, surgiu a Apine, em 1995, da qual ele foi o primeiro presidente executivo. “Nosso setor era quase que totalmente estatal e a grande dúvida que existia, há 20 anos, era como sair dessa bolha estatal. Por outro lado, o Governo precisaria dialogar com vários players, de todos os segmentos, que estavam se constituindo rapidamente. As associações vieram para facilitar esse diálogo”, justificou.
Mário Menel, na realidade, é uma espécie de “pai” de várias associações empresariais do setor elétrico. Depois da Apine, ele participou da criação da associação dos comercializadores, a Abraceel, em 2000; logo depois, da constituição da Abragef (uma associação já extinta e que reunia as térmicas que participavam do chamado “seguro apagão”). Em 2004, criou a Abiape, por ele presidida até hoje.
Dentro do setor elétrico, alguns têm a percepção que talvez existam muitas associações e que, em algum momento, já estaria na hora de se efetuar algum tipo de consolidação, da mesma forma que ocorre habitualmente com as empresas. Enquanto isso não acontece, 20 associações com interesses diversificados no setor elétrico brasileiro convivem de forma nem sempre harmônica, mas sob o firme comando de Menel, no Fase.
O Fase é uma organização informal, criada para facilitar a interlocução de tantas associações com o governo. Ocorre que o setor elétrico é muito complexo tecnicamente e não pode ser simplesmente tratado como algo de importância secundária. Os projetos do setor elétrico demoram anos para se transformarem em realidade. Nesse contexto, o propósito do Fase é fazer com que todos os atores envolvidos possam compreender essas sutilezas, de modo que os projetos se desenvolvam sem desperdício de recursos, oferecendo o máximo de resultados positivos para os investidores e consumidores.
Membro da Academia Nacional de Engenharia desde 2015, Menel é casado há 44 anos com Dona Deisi, companheira de toda a vida, descendente de uma família de alemães da cidade catarinense de Brusque. Curiosamente, Menel, seus pais e o filho único Ricardo se casaram na mesma data, dia 18 de julho. “Não sei se há algum aspecto relacionado com a numerologia, mas o fato é que a data coincide com casamentos muito estáveis e duráveis”, justificou. Ele e Dona Deisi têm quatro netas, sendo que as mais novas são trigêmeas.
Fora da energia elétrica, Mário Menel encontra enorme sentido em duas coisas: esporte e vinho. Até os 33 anos, quando estourou o joelho, foi um dedicado beque central (ou cabeça de área) de um time de futebol de várzea em Florianópolis. Eram tempos de “pouca categoria e muita botinada”, como definiu com humor.
Ele migrou gradativamente desse futebol meio rústico, em que não se escolhia adversários, para o tênis, mais sofisticado, que ele pratica todas as semanas. Viu grandes estrelas do tênis mundial em atividade (Sampras, Agassi, Guga, Steffi Graf, Arantxa Sanchez, Martina Navratilova, Martina Hingis e mais recentemente Nadal e Djoko), nos inúmeros torneios de Grand Slam ou da Série Masters, que ele tem acompanhado ao longo dos anos. Roland Garros, por exemplo, tem sido uma viagem frequente para assistir ao Aberto da França. O Aberto de Miami é acompanhado por ele há 20 anos.
O mundo dos vinhos é uma outra paixão. Mantém uma adega sofisticada em casa, com um estoque que varia de 600 a 900 garrafas. Apreciador de vinho, é um consumidor brasileiro que se assemelha bastante ao francês, com um consumo semanal em torno de três garrafas. “Não é fundamental que o vinho seja caríssimo. O importante é que ele dê prazer ao consumidor”, filosofou.
Esse mesmo gosto pela estética o leva do vinho para o setor elétrico. “Muita gente, quando olha para o setor elétrico somente vê problemas. Eu, não. Reconheço a existência dos problemas, mas me esforço para enxergar além deles, tentando descobrir os benefícios que serão canalizados para a sociedade em geral. Por isso, trabalho sempre com uma agenda positiva. Não acredito que só apontar problemas leve às melhores soluções. Não se pode obviamente negar a existência de problemas e temos que trabalhar para que eles deixem de existir. Mas trabalhar com uma agenda positiva é muito melhor do que com uma agenda negativa. Temos que tentar sempre nivelar as coisas pelo alto”, afirmou Mário Menel.
Em um depoimento prestado para um livro que conta histórias do setor elétrico, ele revela que, ao dar o salto da aposentadoria para as consultorias, a partir de 1992, precisou se adaptar rapidamente aos novos tempos. “Caso contrário, corria o risco de ficar totalmente defasado, como infelizmente aconteceu com vários colegas que não conseguiram acompanhar a evolução do setor elétrico brasileiro. Não sei se me adaptei totalmente, mas o fato é que sobrevivi profissionalmente”, explicou.
Agora, por exemplo, ele considera fundamental ter essa visão positiva. “Depois de muitos anos, temos uma perspectiva grande de que as coisas darão certo. O time do MME e da área institucional do setor energético como um todo (Aneel, ONS, EPE, Petrobras, ANP e CCEE) é muito bom. O melhor possível. Estou otimista com o País, pois acredito que teremos brevemente uma recuperação da carga e, dessa forma, a área de energia dará uma forte contribuição para a recuperação econômica do País”, disse.
Na visão de quem conhece bem a área de energia elétrica, está na hora de tratar a indústria de forma diferente como foi tratada nos anos recentes. “Embora seja grande empregador, a indústria brasileira foi tratada a pão e água. Mais do que isso, foi desprezada. Agora, acredito que o papel da indústria voltará a ser valorizado e estou confiante que ela será tratada de outra forma, pois precisamos recuperar os empregos perdidos ao longo de muitos anos”, afirmou Mário Menel, para quem a indústria brasileira retroagiu aos níveis dos anos 50. “Nesse contexto, o setor elétrico exercerá um papel fundamental”, argumentou.
Crítico discreto de gestões anteriores do MME, Menel entende que o longo período de intervencionismo estatal da era petista não chega a ser um complicador neste momento de transição. “O intervencionismo é mais da política de governo e dos dirigentes, da mesma forma que os dirigentes, como agora, estão dispostos a praticar o não intervencionismo. Por isso, acredito que todos nós devemos apostar nas novas diretrizes e trabalhar com vistas ao aprimoramento do modelo”, declarou.