Lula faz críticas e diz que pretende mudar ML
Maurício Corrêa, de Brasília —
Praticamente na antevéspera do início de uma fase em que passará por sua maior transformação, desde a sua criação, o mercado livre de energia elétrica ganhou um presente de Natal que não poderia ser pior: a crítica mais do que vigorosa feita por nada mais e nada menos do que o próprio presidente da República.
Discursando na celebração de Natal dos catadores de recicláveis e de pessoas em situação de rua, o presidente Lula, depois de dizer que a atual gestão recuperou os cuidados com as pessoas, elogiou o trabalho do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e afirmou que a energia brasileira “tem uma coisa estúpida”, que é a diferença de preços pagos pelos consumidores atendidos nos mercados livre e cativo.
Segundo o presidente, grandes empresários pagam R$ 260,00 por MWh, enquanto o povo pobre paga R$ 670,00. “O povo pobre está pagando quase três vezes mais que o rico”.
No entendimento do presidente, é preciso construir uma discussão que envolva a sociedade brasileira e o Congresso Nacional, para eliminar essa distorção. “É lógico fazer energia barata para ter competitividade internacional, mas não pode ser paga pelo povo pobre”.
O teor do discurso do presidente está alinhado com outras manifestações das autoridades federais nos últimos dias, que dão margem a pensar que o Governo Federal quer intervir pesadamente na área de energia elétrica, alcançando os dois mercados, com decisões que causam estranheza e preocupação aos agentes.
No Amapá, o Governo não reconheceu um direito contratual da concessionária Equatorial, para ter a energia fornecida aos consumidores locais reajustada em 44,4%. Na ocasião, o ministro de Minas e Energia disse que seria editada uma medida provisória (chamada da Justiça Tarifária) para definir o percentual do reajuste para o Amapá.
Nesta quinta-feira, 21 de dezembro, foi anunciado um decreto que praticamente estatiza a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). E, hoje, Lula investe publicamente contra o mercado livre.
Não há muita surpresa nessa sequência de acontecimentos. Ao contrário, tem uma lógica, pois até as pedras dos calçamentos das cidades históricas sabem que o Governo do PT, desde a primeira eleição, em 2002, nunca nutriu qualquer tipo de admiração pelo mercado livre. Ao contrário, sempre o hostilizou e durante todo o tempo em que foi Governo nunca permitiu que o ML ultrapassasse 25% do mercado elétrico. É um fato que não se pode contestar.
É difícil dizer o que vem pela frente. Pelo menos, já se sabe que, além da hostilidade do ministro de Minas e Energia contra a Equatorial, que trabalha no mercado regulado, os agentes podem contar como certa com a militância aberta do próprio presidente da República contra o ML. Difícil fazer alguma coisa com adversários com esse peso político.
O discurso do presidente no Natal dos catadores de lixo significa muito mais do que demagogia ou populismo de alguém que pretende ser visto na História como o novo “Pai dos Pobres”. Vai muito além disso. É uma questão ideológica, que se mistura à manipulação política que se pretende fazer com as tarifas de energia elétrica.
Faltou alguém dizer ao presidente da República que se as empresas que vão para o mercado livre pagam mais barato é porque o ML é muito mais eficiente do que o chamado mercado cativo das distribuidoras, apesar de todas as restrições impostas nos dois governos anteriores do presidente do Lula e nas duas gestões da presidente Dilma.
Nesse contexto, se poderia discutir, sim, a ineficiência no SEB, índices de inadimplência e, por que não?, a atuação de políticos de todas as unidades da Federação, de todos os partidos, que pressionam as autoridades do setor elétrico, demagogicamente, para não perder votos por causa das tarifas de energia elétrica e querem reduzí-las à base da canetada.
Bem, se o futuro do ML no Brasil depende de discursos como este, é melhor encomendar a galinha preta, o caixão preto e a garrafa de pinga porque tudo indica que as perspectivas não são otimistas.
É verdade que alguma coisa pode mudar, pois grandes empresas têm investido altíssimo no ML no Brasil ao longo de 20 anos. Essas empresas provavelmente podem ser doadoras de campanhas políticas. Todos sabemos como os políticos são sensíveis ao apelo dos seus doadores. De repente, fica o dito pelo não dito ou então busca-se alguma forma de conciliação entre o discurso oficial e a prática de Governo. Isso ocorre com muita frequência.
A pior coisa que existe para um País é quando determinados políticos se recusam a reconhecer que as eleições já terminaram e ficam permanentemente em campanha, principalmente quando os índices de popularidade não são aqueles que se esperava. Nestes casos, a chance de apelar para a demagogia e o populismo é sempre muito grande.
Já vimos esse filme várias vezes.