SEB talvez até queira uma CNE, mas não pode ser pela goela abaixo
Informa-se que o presidente demitido da Petrobras, Jean Paul Prates, vai tentar viabilizar, com seus antigos colegas do Senado Federal, a criação de uma Confederação Nacional da Energia.
Essa confederação seria algo equivalente à CNI, CNT, CNC, CNA e outras organizações empresariais do mesmo porte. Prates, obviamente, jogaria o seu prestígio político para ser o primeiro presidente da nova confederação, que poderia se chamar, por exemplo, CNE.
Na visão deste editor, a ideia de criar uma CNE é lógica e oportuna. Tendo passado 11 anos de sua longa vida no ambiente das associações empresariais do setor elétrico, este editor acredita que o modelo de representação empresarial do setor elétrico brasileiro com base nessas associações já cumpriu o seu papel.
Chegou a hora de aperfeiçoar esse modelo e partir para algo mais ousado, mais eficiente e que posicione a área de energia de outra forma perante a sociedade e os poderes públicos. Mas não da forma como pensa Jean Paul Prates.
Embora outros segmentos já tenham confederações consolidadas há vários anos, a área de energia ainda acha graça em mais de 30 associações empresariais, numa segmentação que é absolutamente sem sentido. O que existe hoje é uma atomização de interesses que acaba trabalhando contra os interesses das próprias empresas que financiam essas associações.
Tome-se como exemplo um determinado conglomerado de energia elétrica, que atue simultaneamente nas áreas de gás natural, em distribuição de energia elétrica, em geração hídrica, em geração solar, em geração eólica, comercialização de energia elétrica, etc. Esse grupo hipotético paga mensalidades em todas as associações que representam esses segmentos separadamente.
A maior ironia é que, dependendo da questão que está sendo apreciada num momento, a associação que defende a comercialização trabalha contra a associação que defende a distribuição. Ou seja, a mesma empresa paga para apanhar num lugar e se defender em outro. É um absurdo total, mas isso ocorre há muitos anos com vários conglomerados de energia, não é apenas com um ou dois. Basta entrar na internet e ver quem são os associados das associações. Se repetem a granel.
Outro exemplo: um projeto “X” está sendo discutido no Senado Federal. Vai o diretor da associação dos geradores hídricos e defende um ponto de vista. Ele sai do gabinete do senador, entra o diretor da associação dos geradores eólicos e defende um ponto de vista contrário. Isso costuma enlouquecer os senhores congressistas, mas é assim que o mundo funciona na vida prática. A representação institucional do setor de energia, vista sob diversos ângulos, é um caos total, revelando ineficiência.
Uma CNE resolveria esse problema? Impossível adivinhar, mas como esse pessoal que milita nas áreas de energia é formado por muita gente que tenta ver o mundo sob o prisma da racionalidade, é possível que se encontre um novo caminho. A questão, antes de tudo, merece ser estudada.
Depende de que, afinal? Ora, fundamentalmente do interesse das empresas, pois elas é que dão a grana para o atual modelo baseado em muito blá-blá-blá e muita ineficiência. É um modelo caro para os consumidores, pois os gastos das empresas com suas múltiplas associações acabam sendo reconhecidos como despesas. De certa forma, as empresas não estão nem aí se gastam 100 ou 1000. O dinheiro sai e depois volta no balanço. E quem banca tudo são os consumidores. Hoje, existem mais de 30 associações nessa área.
Outra perguntinha básica: Jean Paul Prates é uma pessoa adequada para levar essa ideia à frente? Provavelmente não. Primeiramente, qualquer mudança nessa direção tem que partir das empresas que bancam as associações empresariais.
E pelo visto Prates quer criar uma CNE de cima para baixo, enfiando pela goela abaixo dos segmentos que atuam em energia. Seria a pior das soluções. Uma CNE é ótima ideia, mas pela goela abaixo, no estilo petista de ser, não. É preferível deixar do jeito que está.
Além disso, embora Prates seja uma pessoa qualificada, que conhece a área de energia (principalmente petróleo e gás natural) e tenha sido presidente da Petrobras durante um ano e meio, praticamente, além de ter tido forte presença em questões de energia discutidas no Senado, ele não é um profissional indicado para essa função.
Prates tem fortes vinculações ideológicas e não as esconde de ninguém. É por isso, inclusive, que virou presidente da Petrobras no atual governo. E se tem algo que esse povo do setor de energia tem pavor é gente com rótulo de esquerda.
Então, um nome hipotético para CNE, se um dia vier a ser criada, precisará ser de alguém que tenha outro perfil. Mais discreto, de convivência mais fácil. Não do estilo de Prates, que saiu atirando. Que seja possuidor de amplo conhecimento técnico, é óbvio. Que também seja alguém mais macio, sem arestas na área política, um diplomata nato (mesmo sem ser um diplomata de carreira), capaz de transitar com facilidade no Governo, no Congresso, nos tribunais superiores e na mídia. Que não tenha vinculações partidárias formais. E que seja alguém relativamente jovem, e que não tenha tido grandes compromissos com o modelo do setor elétrico que vigora desde os anos 90.
Noutras palavras, que seja alguém mais parecido com um anjo ou com um santo.
Brincadeiras à parte, é fundamental que seja um/a profissional mais antenado/a em relação ao futuro do que ao presente. Por isso não pode ser ninguém comprometido com o atual modelo ou partidos políticos, para não herdar os defeitos que o sistema de hoje produz.